20 de fevereiro de 2009

Toalhas vermelhas

Quando chego à minha mesa de trabalho é que vejo que me levaram o portátil, a agenda, todas as minhas coisas.
Os meus colegas estão sentados nas suas secretárias, tudo normal, ninguém me diz nada.
O chefe aponta-me o dedo, não fala, mas percebo que quer que vá junto dele e à medida que me aproximo aquele dedo toma proporções gigantescas, ocupa um espaço imenso, tapa-lhe a cara, todo ele é um indicador monumental, o resto do fisico desapareceu por completo, só aquele dedo gordo e grande ocupa a sua mesa, a sua posição de chefe.
Aproximo-me mas vou-me esquivando aos movimentos sob pena de ser atingido e esborrachado.
Todos os outros se mantêm nos seus lugares, ninguém parece achar esta situação anormal, só eu me interrogo como o dedo do chefe cresceu tão desmesurada e perigosamente.
Perto dele penduro-me no indicador, sinto-me transportado até uma secretária mesmo ao lado da do chefe, é a minha nova mesa de trabalho, o meu pc, as minhas coisas, a agenda aberta no dia com as reuniões marcadas, tudo está ali.
O dedo senta-me e volta à mão do chefe, ao tamanho normal, a um indicador com unha, pêlos nas costas da mão. O chefe mete as mãos nos bolsos e toma o seu lugar.
Não entendo porque estou ao seu lado. Nem tão pouco por que razão a minha mesa tem uma toalha de veludo vermelho a cobri-la, o material disposto por cima, não é suposto haverem toalhas a cobrirem secretárias num local de trabalho. E no entanto, aliso-a.
Acordo suado, o pijama colado ao corpo mas estou gelado.
Quero rir-me da estupidez do que sonhei mas não sou capaz.
Daqui a pouco menos de 3h vou ver o chefe.

19 de fevereiro de 2009

Sem sono

Levei o dia inteiro a lembrar-me do sonho que tive com a mulher do retrato.
Gosto de o lembrar, gostaría mais se tivesse mesmo chegado à fala com ela.
Aliás, pensei que isto já me tinha passado... Há algum tempo que ela não aparecía nas minhas noites. Mas a noite passada anunciou-se e foi muito bom.
Só gostava de saber se de facto, eu tivesse naquele dia tido a sorte de me encontrar com ela, conversarmos, o que tería acontecido. Talvez o meu sonho se projectasse para o real.
E agora estou numa de insónia.
Não tenho sono e a cena do sonho não me sai da cabeça. E de outra parte do meu corpo, que teima em manifestar-se altivamente por cada vez que me salta à memória o momento de a penetrar.
Mas não estou nada preocupado.
Por isto vale a pena muitas noites em branco.

18 de fevereiro de 2009

Ela abraçou-me

Deito-me em posição fetal, parece-me que não caberei na cama de outra forma, encolho-me porque a cama encolheu, a roupa que me cobre é pequena, sei que vou passar frio.
Junto os joelhos ao queixo, abraço-me, sinto-me desconfortável, se adoptar outra posição caio, a cama há-de encolher ainda mais.
Não estou sózinho, sinto-o, mas se me mexer sei o que acontece, fico muito quieto.
É quando as mãos dela me traçam pelo peito e me aconchegam a si, os seios dela nas minhas costas, a barriga, as pernas tornam-se uma sensação quente, boa, de alivio, a cama aumenta, temos espaço.
Permaneço abraçado por esta mulher desconhecida, quero-lhe bem, quero-a sempre na minha cama, quero amá-la como um homem quer uma mulher, não me importa não lhe conhecer o rosto.
Penetro-a, devagar, sinto todo o meu sexo a entrar sem fim, sempre, continuadamente.
Tenho um prazer intenso por saber que ela o tem, mesmo sem lhe ver a cara, espero que ela atinga o orgasmo, depois eu, espero tudo e há sempre aquela sensação de estar a entrar nela devagar, uma coisa infinita, sublime.
A mulher nas minhas costas aperta-me o peito, não sei como a cópula se deu estando ela nas minhas costas, volto-me e vejo a mulher do retrato.

17 de fevereiro de 2009

A teoria do sono (polifásico)

O sono polifásico é um padrão de sono alternativo no qual o tempo dedicado ao descanso pode ser reduzido até duas horas por dia sem causar danos à saúde. Ele é atingido pela separação do período de sono em momentos mais curtos e espaçados.


Os críticos do sono polifásico preocupam-se com a possibilidade deste padrão de sono restringir o tempo gasto como os estágios perimetrais do ciclo do sono, podendo assim perturbar o ritmo circadiano do corpo. Isso poderia causar o sofrimento dos mesmos efeitos negativos encontrados na privação do sono, como perda da capacidade cognitiva e habilidade física, incluindo stress, ansiedade e enfraquecimento do sistema imunológico. Contudo, não existem estudos que comprovem o efeito negativo do sono polifásico.


Os críticos apontam a dificuldade que algumas pessoas tem de respeitar os curtos intervalos de sono, acabando por dormir para além do programado como uma evidência da insustentabilidade deste padrão.


Adeptos do sono polifásico frequentemente testemunham uma mais valia no estado de alerta, mas os cépticos questionam se isso se deve mesmo ao novo padrão de sono ou se é resultado do acumular de adrenalina e cortisol ao atingirem com sucesso os seus objectivos de sono - afinal, menos sono significa mais tempo útil e, portanto, mais metas produtivas podem ser alcançadas durante o dia.


Muitos adeptos do sono polifásico relatam que a parte mais difícil deste padrão de sono é superar o aspecto social, uma vez que as horas de trabalho muitas vezes não permitem o período necessário de sono durante o dia em intervalos regulares. Relatos pessoais indicam que perder um único período pode causar consequências catastróficas, portanto muitas vezes mesmo pessoas com sucesso no sono polifásico retornam ao padrão monofásico a fim de conseguirem satisfazer a sua vida social e profissional.







in Wikipedia

16 de fevereiro de 2009

A teoria do sono (monofásico)

O padrão de sono mais comum, conhecido como sono monofásico, consiste de diversas fases, algumas das quais são desnecessariamente longas na proporção em que naturalmente ocorrem. O cérebro inicialmente resiste a períodos mais curtos e frequentes de sono, mas ao deparar-se com o padrão de sono polifásico, aprende a entrar nos estágios essenciais do sono muito mais rápido como estratégia de sobrevivência.


Este período de adaptação tende a dissipar-se em duas semanas de prática e os sintomas de cansaço são completamente superados após 14 dias. Contudo, um mau planeamento do cronograma de sono pode complicar ou frustar completamente o processo. Uma vez passado o período de adaptação, todo o equilíbrio é restabelecido e as chamadas "sonecas" passam a substituir o sono por longos períodos.







in Wikipédia

15 de fevereiro de 2009

Há luz na minha rua

Levanto-me da cama, tronco nú, afasto as cortinas e abeiro-me do parapeito da janela. Penduro a cabeça, consigo ver distintamente o fundo da rua, perto do passeio, as pedras que constituem o desenho da calçada.
Sei que é igual ao da rua cinzenta mas esta é a minha rua e assim não pode ser cinzenta, tem que ter cor, movimento, carros e a esta hora não pode ter miúdos a brincar porque é noite e é escuro apesar dos candeeiros acesos.
Esforço-me cada vez mais por achar estes sinais na minha rua, desejá-los, sentir que tenho esse poder apenas por o pensar veemente. Nada, tudo se apresenta como a rua cinzenta, o silêncio surdo que me enche os ouvidos e depois a cabeça retirando espaço aos meus desejos e à minha vontade.
Cada vez me penduro mais para o lado de fora, inverto a minha verticalidade, os pés na direcção do céu. Sei que o céu a esta hora da noite é azul muito escuro, sei-o pelos meus pés.
E sei também como um flash, que se caír haverá vermelho a manchar a calçada, o cinzento foge, há-de fugir concerteza.
Penso numa solução: Os meus pés tocam o céu e como um êmbolo de uma caneta de tinta permanente sugo o azul escuro transporto-o até à calçada e fico feliz de ser azul e não ser encarnado pela minha queda.
Acordo. Adormeci há tão pouco tempo que nem sequer desliguei a luz.

14 de fevereiro de 2009

Eu cá não sou supersticioso

É impossível falhar o dia em que sonhei isto por ter sido na noite sexta-13.
Fui convidado para um jantar de supersticiosos, com direito a tudo. Ou melhor, sem direito a nada, pois tudo o que é crendice esteve ali naquela mesa, nos seus convivas e eu, de fora, fui o contrapeso, ou seja o nº 14 a sentar-se à mesa.
Foi uma noite divertida e fora do comum. Conheci gente interessante e uma mulher dedicadíssima ao culto do azar que me fascinou.
Cheguei a casa calmo, relaxado, bem disposto. Fiz zapping, li duas linhas e adormeci.
De cada vez que alguém se levantava da mesa o número azarado caía ali como um raio, a mulher deitava-se sobre a toalha e dava à luz repondo a falta e sempre assim sucessivamente.
Ninguém interrompía a refeição ou lhe acudía, ela sabía o que fazer e em que altura parir. Não havía sangue, não havíam recém-nascidos, só o restabelecimento da ordem pelo número a evitar.
Olhava-me muito séria da sua função e das suas capacidades e quando me ergui para me dirigir ao WC espreitei-a de lá: deitou-se sobre a mesa, afastou as pernas e ajudou-se a nascer-me.

13 de fevereiro de 2009

Stress mix

Tenho andado numa azáfama terrível, alimento-me mal, não faço qualquer exercicio fisico e a qualidade do sono é nula.
Dores de cabeça, analgésicos, dores de cabeça, analgésicos, cafeína, insónia: cumpro este programa escrupulosamente.
Ontem, tive vertigens. E de novo, a sensação estúpida de "ver" a estante que está em frente da minha secretária a erguer-se um palmo acima da alcatifa.
Não digo nada, sei o que é. Já fui avisado, alertado, já experimentei os meus limites. Um dos médicos que me acompanhou há alguns anos falou em sonoterapia.
Mas não quero e tão pouco me posso dar a esses luxos.
Não serei eu o único nesta situação: alguns colegas de trabalho tornaram-se irascíveis, falam alto, um ganhou um tique de "engolir" o lábio inferior.
Não quero ficar assim.
Será que têm pesadelos como eu?
Insónias? E me vêem exactamente como eu os vejo a eles e me acham estranho?

12 de fevereiro de 2009

Bloco Notas

Este espaço da blogesfera tem uma vantagem sobre o mundo real que é o poder datar-se os dias ao bel prazer sem obrigações de cumprir a semana tal e qual ela corre.
Assim, eu que estive afastado daqui, posso fazer seguir os dias a partir do último em que sonhei ou que tive o pesadelo, sem que ninguém me aponte o dedo. Basta que hoje aqui chegue e passe os meus apontamentos ao longo deste período de ausência.
No fundo, não vem mal ao mundo por isso, as minhas notas agradecem o tempo que lhes dedico e eu muito mais.
A única questão que coloco a mim mesmo - mea culpa - é a falta que me tem feito vir aqui desabafar. É que é diferente de estar apenas comigo a rabiscar resquicios do que passei pela noite... E saber que alguns com uma paciência infinita me têm lido, comentado e ajudado (obrigado Alexandra!) dá-me um gostinho muito especial... Acho que tenho que acabar por dar razão a quem anda nestas lides com experiência reconhecida. Isto vicia mesmo.
Não parei de sonhar nem tão pouco de me sentir violentado pela dureza dos pesadelos. Mas sinto que escrevê-los é como sangrar uma bomba que precisa de ser ferrada para funcionar de novo.
E isso dá-me alento.

11 de fevereiro de 2009

Perseguição (dois)

Envergonha-me publicamente, todos os meus colegas presentes na reunião assistem, nem um se levanta a meu favor.
Sinto-me péssimo, tento falar sobre o trabalho que faço, como me empenho, mas a admoestação continua, o atraso na entrega dos relatórios, sempre os relatórios, todos os dias os relatórios, digo-lhe para comer a merda dos relatórios, que uma empresa não se faz só de escrevinhar relatórios.
Perante a minha revolta, o chefe levanta-se na ponta da mesa, cresce, ergue o braço e desgraçadamente vejo que tem um coto.
Acho que acordei com o meu próprio berro... Não consigo entender de onde vem esta fixação, mas tenho de descobrir, isto dá cabo de mim.
O pior é que quando encarar o chefe, na vida real entenda-se, vou lembrar-me do que ele me disse, vou ter-lhe raiva, depois irei recordar-me do coto e talvez sinta nojo, ou medo, ou ambos. Não sei.
Sinto-me nauseado.

10 de fevereiro de 2009

Perseguição

Encontro-o, sorri-me, fico satisfeito de o ver, tenho vontade de o abraçar mas qualquer coisa impede-me, um receio, um arrepio.
Ele fala constantemente, faz muitas perguntas, nem sequer dá tempo a que eu lhe responda, sinto-o a olhar-me fixamente nos olhos ou talvez na testa, não sei bem, mas é uma marca profunda que crava e me incomoda. Eu não consigo encará-lo, sinto vergonha, espero que ele não se aperceba do que me vai na mente.
Sem hipótese de me esquivar ele toma-me num abraço, sinto-lhe as palmadas de regozijo nas minhas costas e sobre os ombros. Aos poucos o meu temor desvanece-se, acho-me um medricas por me ter distanciado dele quando fiquei tão feliz de o ver, rio, ele também, parou o discurso contínuo e as interrogações, liberto-me.
Confesso-lhe o que senti.
Apartados ele mira-me de novo nos olhos, na testa, ainda se ri.
Pergunta-me se o meu medo era do coto, e mostra, exibe aquela coisa horrível, deformada, a carne e o osso à vista, o braço curto, tento correr, fugir daquela imagem, mas ele segura-me pela manga do casaco. Precisamente com o coto, como se tivesse cola ou se se misturasse com o meu braço, sinto pânico, tenho medo daquilo como se fosse uma doença e agora seja eu que fique com um coto.
Do riso passa ao choro, aos gritos pela sua amputação, eu também choro, tenho medo, tenho tanto medo, não quero ver!
Choro com medo do que sonhei, sinto uma tristeza de morte.
Não vou dormir mais, prefiro passar o resto das horas até saír a andar de um lado para o outro. Assim, não volto a sonhar e a vê-lo.

9 de fevereiro de 2009

Soluções

Nado como se o ambiente liquido sempre tenha sido o meu, sem aflições para respirar, falo, gesticulo, caminho na água. É tudo verde. Um verde transparente que me faz lembrar gelatina.
Sei que penso em gelatina. E a água já não é água é gelatina, densa, algum esforço para a atravessar, chegar a algum lado.
Resolvo comer os pedaços que estão adiante da minha cara, faço-o naturalmente, desbravo o que me empecilha avançar, acho-me esperto, tão sagaz a resolver problemas. Vou sempre caminhando até me encontrar numa floresta, a folhagem muito apertada entre si como uma rede fina, uso os braços, os pés, esgaço este tecido vegetal à primeira, sinto-me rei, uma calma que me enleva e me faz subir os pés do chão.
Caminho sim, mas pelo ar, um palmo junto ao solo sem o tocar sequer com a ponta dos dedos. Olho-me, estou descalço, há areia quente em baixo, sinto-lhe o calor, depois a aproximação da água, de novo dentro dela e repito tudo, experimento vezes sem conta os elementos, sei-os de cor.
O despertador tocou, estiquei o braço, desliguei-o, levantei-me. Senti-me calmo, tão calmo e capaz de enfrentar tudo lá fora.

8 de fevereiro de 2009

Enfim dormir

Não houve outra saída. Mal senti que ela estava para ficar recorri aos drunfs. Um. Foi o bastante. Nem sequer me recordo em que altura comecei a ficar sonolento. Foi em dois tempos: do desperto para o adormecido.
Dormi, dormi e dormi.
Mas se fosse só isto era óptimo e confesso, tornar-me-ía cliente.
A questão é que no dia seguinte ando ao retardador, a cabeça parece que não funciona e fico lentinho, lentinho. Isso e a boca seca como um papel.
Só com o decorrer das horas consigo retomar o dominio total dos meus pensamentos, das reacções.
Venha o diabo e escolha.
E avarias destas só dá para fazer quando não há trabalho, compromissos, coisas que me prendam.

7 de fevereiro de 2009

Um parêntesis

Ando estoirado.
Ainda não me recompus da viagem de trabalho, estou atolado em mil responsabilidades e o sono aparece quando não deve. Ou seja, à noite, quando devería descansar não consigo. Ou porque estou preocupado e lá vem insónia ou então são os pesadelos. Até já me pus a adivinhar com que espécie de pesadelo serei brindado... Acontece é que me sinto todo dormente, a ser levado para vale de lençóis, uma necessidade de fechar os olhos e deixar-me ir nas alturas menos próprias para o fazer. A seguir ao almoço é terrível. Bebo dois cafés, lavo a cara, caminho de um lado para o outro. Creio mesmo que esta semana que passou, houve um dia em que parado à espera que o sinal abrisse, cabeceei, dei por mim com o fulano de trás a apitar furiosamente. E ainda bem, pois sendo o primeiro da linha deixei deslizar o carro e fui avançando... Se não me salvou a vida, pelo menos evitou que eu desse cabo da lata ou ficasse magoado por algum provável embate. E a coisa que menos preciso agora é de mais problemas.
Por isso, está decidido: se esta noite não adormecer como um comum mortal lá irei eu às pírulas mágicas e aí, nem que se abra o céu, mas durmo mesmo!

6 de fevereiro de 2009

Veículo de transmissão

Fecho a porta da entrada do prédio onde vivo, ouço distintamente o click do fecho, saio, procuro o carro, não o vejo, tenho a certeza absoluta de onde estava estacionado e agora não está lá.
Percorro o passeio ao longo do bairro, e já no sentido inverso apercebo-me da rua. Aquela, toda cinzenta, sem mais cor alguma.
Ando, rápido, o mesmo vento de sempre que me empurra.
Questiono-me como vim parar aqui, que o carro não o deixei aqui, mas não páro a caminhada, antes apresso o passo.
Não há mais ninguém, nada mais para além de mim, o vento, um silêncio que me entra nos ouvidos e me parece entupir.
Sinto a chave do carro no bolso, aperto-a para ter a certeza de que não é um sonho, que saí mesmo de casa à procura do carro, fico consciente que tenho de ir trabalhar e que estou atrasado e mais atrasado ficarei se não descobrir o que procuro, deve ser por isso que ando com tanta rapidez.
De repente vejo o meu carro, surpreendo-me por ser negro, não era desta cor, mas tenho a certeza de que é o meu carro, estacionado em cima do passeio de calçada portuguesa, a frente virada na minha direcção, apronto a chave e quando estou perto, a imagem dele destaca-se, distancia-se, foge-me.
Páro.
Não compreendo, parecía que estava quase a tocar-lhe...
Reinicio a marcha e acerco-me, de novo o carro mais ao longe, corro, se correr ele não terá tempo de me escapar. Mas por mais que o faça não consigo, foge-me sempre, a frente do carro recua no enquadramento da rua cinzenta.
Vejo um rosto pelo pára-brisas, as mãos no volante, reconheço uma das crianças que costumam estar nesta rua, penso em como tudo está errado, que não pode ser, que tenho de regressar à entrada do meu prédio e partir daí sem me perder nesta rua.
Acordo suado e gelado, destapado.
Agora de olhos abertos consigo ver sem enganos que quem estava dentro do meu carro era o meu antigo colega de escola.

5 de fevereiro de 2009

Olha!


Isto deve mesmo ser coisa do virtual.
É que eu comecei este blog por terapia, para cruzar experiências, para me tentar "exorcizar" de alguma forma dos pesadelos que me acompanham. E vai daí, sou premiado com este selo do Blog Maneiro!
O Black Angel é que foi o autor desta oferta inesperada.
E que me deixa um pouco à toa... Primeiro pela atribuição, depois pelo seguimento que devo dar, ou seja atribuí-lo a dez blogs selecionados por mim. Ora, a verdade é que eu não conheço essa dezena de blogs. E assim, quem aqui vier e ler os meus registos é livre de o agarrar.
Thank's Black Angel!!!

4 de fevereiro de 2009

A vingança

Não consigo valer a minha opinião. Por mais que me esforce nos argumentos, na defesa dos meus fundamentos. Sinto que tudo o que já disse é matéria de riso, melhor, de troça. E fazem-no de uma forma mesquinha repetindo todas as últimas palavras de cada frase minha e imitando o meu tom de voz.
Irrito-me, falo alto, a reacção que provoco achincalha o que estava preso por um fio.
Ameaço, fecho as mãos, dou punhadas violentas sobre uma mesa de madeira que se vai lascando à medida da minha força. Injurio-os, digo todas as asneiras que conheço.
O riso aumenta.
Nunca vejo com quem me zango, mas isso não me preocupa.
Sei que tenho poder, uso-o, amaldiçoo quem me goza, desejo-lhes a morte.
Das gargalhadas sonoras passa-se a berros estridentes, ouço pedirem-me piedade.
Sinto felicidade por saber que sofrem e o gosto da vingança é bom, muito bom.
Acordo devagar, embora o coração bata descompassado e forte. Tento aperceber-me sobre a identidade daqueles que pereceram no meu sonho, mas não encontro cara nenhuma que me revele quem eram, porque me trataram daquela forma.
Tenho um gosto amargo na boca, apercebo-me que me mordi e sangro.

3 de fevereiro de 2009

Nem tudo é trabalho

A fadiga acaba por falar mais alto.
Ao rever umas últimas notas sobre um relatório perdi a noção do meu corpo e adormeci. Papéis para um lado, o portátil aberto, a caneta caída algures.
Apareceu envolta numa mescla de cores em espiral, primeiro as mãos a passarem do ecrã para fora, muito próximas de mim, da minha gravata mais exactamente. Encolhi-me. Mas chegaram lentamente ao meu peito, as mãos espalmadas sobre a camisa, senti-as a afagarem-me os mamilos suave mas insistentemente. Depois abriu-me a camisa sem me desapertar os botões, sem me tirar a gravata, acariciou-me, brincou com os pêlos enrolando-os em pequeninos círculos, eram só mãos. E eu cravado no sofá, as costas a fazerem uma força contida para que não se apercebesse da minha aflição e surpresa.
Segurou-me o pescoço, as minhas mãos agarradas àquelas mãos.
E do ecrã surgiu todo o corpo dela. Como se fosse de borracha ou de um liquido espesso que se moldou rápido numa mulher perfeita.
Reconheci-a. Era a interprete que serviu de comunicadora na minha viagem.
Senti um certo alivio...
Sentou-se engatada no meu colo, a saia muito apertada vincou-lhe as coxas e mostrou um cinto de ligas onde estava preso um bloco de notas e um lápis tremendamente afiado. Retirou-o num gesto de mulher fatal e de lábios muito, muito vermelhos molhou-o na ponta e disse-me roucamente bitte...
Despertei com o som do telemóvel. Demorei um pouco a atender, sentía-me atordoado.
Do lado de lá uma voz quase mecânica a querer vender-me um cartão de crédito.

2 de fevereiro de 2009

De viagem

Andei cerca de duas semanas por fora, em serviço.
Escusado será referir que a maior parte do tempo a insónia foi a minha companheira... Desde a ansiedade do avião (é verdade, não é coisa que aprecie), ao cheiro dos quartos, à bendita almofada, à preocupação do negócio, tudo serviu para justificar a cabeça às voltas com as horas.
Nestas alturas as coisas mais estapafúrdias aparecem na mente como cogumelos venenosos e por mais que tenha tentado afastar estes véus negros, ainda com mais força se instalaram.
De quando em vez adormecía.
Mas nunca foi um sono reparador, o sobressalto ao despertar como se gritassem o meu nome, ou a suspeita de ter dormido precisamente na hora aprazada para algumas das reuniões ou ainda - e muito consistentemente - a queda do avião. Só isso: eu lá dentro e o avião a caír. Sempre. Repetidamente.
Conclusão: Neste momento precisava de férias. De mim, entenda-se.

1 de fevereiro de 2009

Felinos

Passeiam-se entre as minhas pernas, cada vez em maior número, tenho alguma dificuldade em movimentar-me, temo pisá-los ou que se assanhem e me cravem as unhas.
Não consigo descobrir a razão de tantos gatos ao meu redor, são mesmo muitos, silenciosos, as caudas espetadas, os bigodes eriçados e os pequenos focinhos a apontarem na minha direcção.
Embora receoso sinto que me pedem um afago.
Escolho um que me parece inofensivo, meigo, branco de dorso malhado.
Pisca os olhos verdes por cada vez que sente a minha mão a passar-lhe no pêlo. É macio, muito macio, agacho-me, aproximo-me dele, é belo, gosto da sensação que me dá ao acariciá-lo.
Os outros sentaram-se, assistem, assemelham-se a pequenas criaturas gordas vestidas de casacos confortáveis, muito solenes.
Há um silêncio perturbador nesta cena, só a minha mão se ouve a passar sobre a pelagem do meu eleito, é um som que toma proporções gigantescas à medida das minhas festas.
Páro, preciso escutar o que acontece à volta.
É com horror que vejo que o pêlo do animal se destacou das suas costas, uma folga que deixa à vista a pele rapada, peço-lhe desculpa, não o quis maltratar.
Acordo num sobressalto, acendo a luz, olho as mãos, a cama, o quarto.
Reinstalo-me, aconchego-me à roupa, sinto a moleza do sono a voltar.
Lá fora um gato solitário grita o seu amor de Janeiro.