6 de fevereiro de 2009

Veículo de transmissão

Fecho a porta da entrada do prédio onde vivo, ouço distintamente o click do fecho, saio, procuro o carro, não o vejo, tenho a certeza absoluta de onde estava estacionado e agora não está lá.
Percorro o passeio ao longo do bairro, e já no sentido inverso apercebo-me da rua. Aquela, toda cinzenta, sem mais cor alguma.
Ando, rápido, o mesmo vento de sempre que me empurra.
Questiono-me como vim parar aqui, que o carro não o deixei aqui, mas não páro a caminhada, antes apresso o passo.
Não há mais ninguém, nada mais para além de mim, o vento, um silêncio que me entra nos ouvidos e me parece entupir.
Sinto a chave do carro no bolso, aperto-a para ter a certeza de que não é um sonho, que saí mesmo de casa à procura do carro, fico consciente que tenho de ir trabalhar e que estou atrasado e mais atrasado ficarei se não descobrir o que procuro, deve ser por isso que ando com tanta rapidez.
De repente vejo o meu carro, surpreendo-me por ser negro, não era desta cor, mas tenho a certeza de que é o meu carro, estacionado em cima do passeio de calçada portuguesa, a frente virada na minha direcção, apronto a chave e quando estou perto, a imagem dele destaca-se, distancia-se, foge-me.
Páro.
Não compreendo, parecía que estava quase a tocar-lhe...
Reinicio a marcha e acerco-me, de novo o carro mais ao longe, corro, se correr ele não terá tempo de me escapar. Mas por mais que o faça não consigo, foge-me sempre, a frente do carro recua no enquadramento da rua cinzenta.
Vejo um rosto pelo pára-brisas, as mãos no volante, reconheço uma das crianças que costumam estar nesta rua, penso em como tudo está errado, que não pode ser, que tenho de regressar à entrada do meu prédio e partir daí sem me perder nesta rua.
Acordo suado e gelado, destapado.
Agora de olhos abertos consigo ver sem enganos que quem estava dentro do meu carro era o meu antigo colega de escola.

2 comentários:

casa de passe disse...

Olhe, a mim acontece-me muitas vezes o contrário. A dormir chego a conclusões que sempre me vão servindo para resolver os problemas de quando estou acordada.

Alexandra disse...

A necessidade de se "agarrar" algo que nos escapa... sempre...

É engraçado como a nossa psique vai buscar objectos do presente para nos levar ao passado, neste caso, o carro.

A ansiedade do aqui e agora, misturada com a ansiedade de percorrer de novo caminhos que talvez não queiramos, por isso cinzentos.

A necessidade imperiosa de voltar atrás para começar de novo. Mesmo que nesse recomeçar nos surja uma imagem do passado.

Excelente trabalho. Continue!!