22 de dezembro de 2008

Convalescença

Bom. Regresso, ainda que por pouco tempo que estou já de partida, após uma gripe que mais pareceu o Convento de Mafra.
Mas prometo que conto as febres, os delirios, os sonhos e os pesadelos que se deitaram ao meu lado a fazer-me companhia num momento tão solitário como é o ser vitima da influenza.
Desejo aos que têm vindo aqui, pacientemente, umas Boas Festas.
Mas... Olhem que eu volto!

15 de dezembro de 2008

Os morangos são vermelhos

Acordei com a moleza saborosa do conforto de uma boa cama, macia, a almofada enorme à altura ajustada do pescoço, uma cama de lençóis brancos, muito leves mas muito aconchegantes.
Espreguicei-me e fiquei a pensar como era boa a minha vida. Reparei que não havía tecto, só um dossel monumental a ondular lento. Sorri, achei bonito.
Chegou uma mulher, alta e fina como uma estatueta, a tez muito branca, cabelo longo, trepou na cama e de joelhos chegou-se a mim. Beijou-me, mal tocando os meus lábios
Depois deu-me morangos muito vermelhos, grandes, muito maduros à boca.
Enquanto os comía pensava como era bela aquela vista, tudo muito branco e o vermelho tão vivo dos morangos na minha boca.
Acordei.
Tinha os braços gelados, traçados sob a cabeça. Tapei-me. Fiquei a recordar aquele sonho de uma simplicidade tão grande que me comovi.

14 de dezembro de 2008

Terror nocturno

O terror nocturno (pavor nocturnus) é um distúrbio do sono caracterizado por gritos durante o sono acompanhado do semblante de terror como se a pessoa estivesse a ver algo terrífico durante o sono.

Quando se desperta alguém neste episódio a pessoa geralmente não se lembra de nada ou tem apenas uma vaga sensação de uma cena aterrorizante.

Não se tratam de sonhos maus, pesadelos.
O terror nocturno ocorre principalmente na infância diminuindo a partir do início da adolescência.



in Wikipedia

13 de dezembro de 2008

Sinais (?)

Entrei no duche. Água boa, quente, uma maravilha. Rolos e rolos de fumo pela casa de banho, tudo embaciado, uma sensação agradável, deixei-me ficar debaixo daquele gotejar contínuo, olhos fechados.
Passei as mãos na cara, na cabeça e ouvi um ruído de qualquer coisa caír. Fechei a água, saí, procurei em volta a causa do barulho. Nada, não vi nada.
Esfreguei-me vigorosamente, de novo o ruído mas desta vez com som diferente. Fiquei imobilizado e de ouvido atento. Nada.
Senti uma coisa nos pés... olhei. Surpreendido, vi que eram cabelos, rolos de cabelos escuro. Não percebía de onde aquilo viera, como tinha aparecido ali aos meus pés.
Comecei a ficar com frio, embrulhei-me na toalha mas para grande horror meu, a toalha estava cheia do mesmo cabelo que agora tombava por todo o chão da casa de banho. Levei as mãos à cabeça, sería meu? Estaría careca? Não, sentía o meu cabelo agarrado, mas pegado às mãos tinha trazido uma mecha farta.
Entrei em pânico, limpei o espelho retirando aquela película orvalhada que não deixava ver-me... tinha a cabeça cheia de peladas, faltava-me um olho, gritei, gritei muito!
Tapei a cara com a toalha, olhei o fundo da banheira, lá estava, preso no ralo, o meu olho, agarrei-o e a tremer de frio e de medo, lá arranjei coragem para me encarar.
Mas quando tirei a toalha a ponta do nariz veio atrás... depois os dentes caíram-me, soltos, à vez...
Era um desespero!
Tentar enfiar o olho na órbita, acamar os bocados de cabelo na cabeça e os dentes, eu punha e eles soltavam-se de novo... Mas não havía sangue nenhum, nada... Pensei que era um sonho, apenas um sonho, bastava eu querer e aquilo paráva... Fechei os olhos e voltei a mirar o espelho, tudo no sitio, normal, a minha cara completa.
Despertei.
Sustive a respiração, não me mexi, apenas fixei o tecto.
Veio-me à memória que a minha Avó me costumava dizer que quem sonha com dentes é sinal de morte de alguém próximo.

12 de dezembro de 2008

______________Zzzz

Zzzzzzzzzzzzzzzz...
Sabem que mais?
Dormi que nem uma pedra!
Um justo, será mais acertado, estava mesmo a precisar.
Isto sim, não me lembrar rigorosamente de nada é um sonho!

11 de dezembro de 2008

O antes e o agora

A minha Mãe costumava tapar-me, ajeitar a dobra do lençol, dava-me um beijo na bochecha e antes de apagar a luz o aviso do "é para dormir! dorme bem filho". E eu dormía, era num instante. Depois, a meio da noite ela a entrar de camisa de dormir ou de outras vezes de roupão azul-claro até aos pés (não sei porque me lembrei disto agora, até aquela cor azul bébé), a agarrar-me, a encostar-me ao peito dela e a dizer "já passou". Não passava logo, mas o medo ía-se...
Embora sentisse uma angústia que naquele tempo não sabía que se chamava angústia, parecía que nada de mal me podería acontecer com a minha Mãe ali ao pé de mim. Já tentei recorrer a essa imagem nos meus pesadelos de adulto, buscar algum alivio, uma bóia de salvação, mas nada me faz sossegar e quanto mais força faço para me lembrar dessas noites de infãncia em que ela me acudía mais só e acossado me sinto.
Tenho vezes em que desejo fugir, não sei para onde, nem para quem. Mas para a minha Mãe é que já não é possível.

10 de dezembro de 2008

Foto-memória

Com mais tempo desatei furiosamente a procurar tudo o que era fotografia da minha infância, da escola, do miúdo de calções e joelhos mal-tratados que tinha sido meu colega.
Mas por mais que fuçasse não encontrei rigorosamente mais nada, nenhuma pista, zero.
No entanto, a busca levou-me a outros patamares da minha vida, coisas que não me recordava mais, rostos a desfilarem numa galeria. Alguns mortos, outros esquecidos, uns quantos que não soube reconhecer.
As horas passaram e eu não me apercebi.
Nada de sono.
Só flashes que acenderam a luz da minha sala, tantas vezes, mas tantas vezes que bem podíam ter-me fundido na escuridão completa.
Espero que esta noite em branco (ou em negro?) me traga sossego aos sonhos, pesadelos, explicações para o que os profissionais me cobram na base das hipóteses.

9 de dezembro de 2008

O colega de escola

Amarrado de tronco e braços era-me impossível escapar. O pequenino combóio prosseguia a uma velocidade incrível, sentía um ar frio na cara, tudo negro, de quando em vez qualquer coisa ao de leve roçava na minha cabeça, no meu pescoço, reconheci o combóio-fantasma da minha infância da Feira Popular, a minha coragem perante a malta ao querer meter-me com esqueletos e outros sustos que saltavam de cavernas à medida que se passava em curvas sinuosas e que me davam um enjoo tremendo.
Agora aqui estava eu de novo, já homem, nem medo, nem náusea.
Só não entendía porque estava amarrado.
Os olhos foram-se habituando à escuridão. À minha frente um miúdo cinzento voltou-se para mim e riu-se, vi-lhe os dentes brancos, alguns em falta, só ría, não proferiu uma palavra que fosse.
Não sei como mas o meu olhar conseguiu chegar ao lugar dele e entrei em pânico quando lhe vi os tais calções, os joelhos feridos.
Debati-me para me libertar do que me prendía mas não consegui libertar-me, apenas tombei do combóio e fiquei para tráz, manietado e sózinho numa linha escura.
A pressão que tinha no peito quando acordei parecía que não me dava espaço para respirar.
Lembrei-me da cara do miúdo. Tentei recordar de onde o conhecía, havía qualquer coisa familiar naquele riso marcado e sem som.
Levantei-me, fui ao álbum de fotografias, procurei a de grupo da escola. Lá estava ele.
Agora eu sabía que um dos miúdos do meu sonho da rua era um antigo colega.
Mas isso não me deixou mais descansado e tão pouco pegar outra vez no sono.

8 de dezembro de 2008

Palhaço

Não sei como começou.
Só sei que eu já estava naquela figura endiabrada de puxar as bochechas, deitar a lingua de fora, doutras enrolava as mãos e fazía uns óculos redondos formado pelos dedos e colocava-os à frente dos olhos, imitando com a boca o barulho de uma avioneta, ainda numa outra deixava pender uma fio de saliva que escorría pelo queixo.
Toda a gente ría.
E eu fazía ainda pior: quando o chefe voltava costas, atiçava-lhe uma par de cornos bem espetados pelos dedos indicador e mindinho ou então, levantava-me da minha mesa e perseguía-o imitando o seu caminhar. Quando ele se apercebía que eu estava na sua cola, eu disfarçava (mal) que apanhava qualquer coisa do chão ou olhava para o tecto, e tão insistentemente que o homem acabava também por dirigir para aí o seu olhar.
Alguns colegas batíam palmas à minha momice e eu agradecía com um flectir gentil de joelhos, puxando o forro das algibeiras para fora, rematando que o elefantezinho ficava muito grato mas não tocava o badalo do sino...
Acordei na minha própria gargalhada.
E ainda estive a rir baixinho algum tempo, não fosse o silêncio do quarto despertar e ir contar a alguém os sonhos bizarros que tenho.

7 de dezembro de 2008

Traumas

O trauma psicológico é um tipo de dano emocional que ocorre como resultado de algum acontecimento.

Quando o trauma conduz ao stress, pode envolver mudanças físicas no cérebro, podendo afectar o comportamento da pessoa.
Um evento traumático envolve uma experiência ou série de experiências repetidas que afectam a maneira do indivíduo lidar com idéias ou emoções envolvidas com aquela experiência, podendo às vezes durar semanas ou anos.

O trauma pode ser causado por vários tipos de eventos, mas há alguns aspectos em comum. Geralmente implica o sentimento de completo desamparo diante de uma ameaça real ou subjectiva à própria vida, ou à vida de pessoas amadas, ou à integridade do corpo. Um trauma pode, frequentemente, violar as idéias do indivíduo a respeito do mundo, colocando-o num estado de extrema confusão e insegurança. O trauma também pode acontecer em decorrência da traição de outrém ou instituição de maneira imprevista.
O trauma psicológico pode vir acompanhado de trauma físico ou existir de maneira independente.

Alguns tipos de causas de traumas psicológicos são: abuso sexual, violência ou ameaças, especialmente se ocorrem na infância. Eventos catastróficos como terremotos e erupções vulcânicas, guerra ou outras formas de violência em massa também podem causar traumas psicológicos, assim como exposição à miséria durante longo tempo ou mesmo abuso verbal.

Entretanto, pessoas diferentes reagem de maneiras diferentes em eventos similares. Uma pessoa pode sentir como traumático um evento que outra pessoa pode não sentir, e nem todas as pessoas que passam por experiências traumáticas podem tornar-se psicologicamente traumatizadas.



in Wikipedia

6 de dezembro de 2008

Já chega!

A rua.
A que me acompanha desde a infância nos pesadelos que não conseguem ter outra cor senão negros, brancos, cinzento muito escuro como o dos bicos dos lápis.
Desço-a, como sempre. Empurrado pelo vento, como sempre, a gravata a esvoaçar, as mãos nos bolsos, as bandas do casaco a abanarem, vejo a biqueira dos meus sapatos pretos a avançarem num passo certo, ligeiro.
Lá estão os miúdos junto ao passeio, acocorados, vestidos de calções. Não sei porque tanta confusão me faz eles estarem de calções...
Não há mais ninguém, nem carros, nem vestigios de vida para além de mim e dos garotos.
Chego junto a eles, pergunto-lhes se sabem que rua é esta, respondem todos ao mesmo tempo, não consigo perceber o que dizem, insisto na pergunta, uma gritaria que me ensurdece, faz mal, é um zunido que me entra e me aleija, mas não é bem dor, é mais uma tristeza, uma sensação de ter perdido qualquer coisa.
Pergunto-lhes porque estão de calções, não devíam estar de calções, está vento. E reparo que todos têm os joelhos esfolados, uma carne viva que baba um sangue cinzento, tudo é cinzento, eles gritam e eu assusto-me, corro, só vejo a biqueira preta dos meus sapatos, atrás eles, os calções, os joelhos, não há mais nada nesta rua, é só rua...
Berro.
Acordo.
Estou encharcado.
Não aguento mais este pesadelo que me persegue desde criança!
Não consigo fugir desta rua, deste pesadelo!

5 de dezembro de 2008

O sofá

Quando me deitei não tinha sono, a hora habitual de me recolher já havía passado, pois fui-me deixando estar numa moleza sem limites, agarrado ao comando da televisão.
Disse a mim próprio mais de 10 vezes que a seguir "a isto" levanto-me e vou para a cama. Mas a seguir "a isto" veio sempre "mais isto" e depois "outra coisa", e o tempo foi-se arrastando e eu com ele.
Está-se bem no meu sofá, já tem aquele encaixe do corpo, as almofadas a ampararem, a manta de viagem macia e quente...
Empurrado pelo bom senso lá me recolhi.
Mas o sono não se recolheu comigo e tudo o que tinha visto voltou em ondas, vagas, tsunamis, um fervilhar na cabeça que não me deixava quieto, os sons, as cores, todas as imagens a passarem-se como uma reposição mesmo à frente dos meus olhos. Eu bem os fechava mas quando dava conta já estavam bem abertos!
Levantei-me de um pulo.
Voltei à sala, ao sofá, à televisão, comando em punho.
Mas a insónia chegou com uma força tal que até das televendas eu não perdi pitada.
Lá fora chovía e relampejava. Não ouvi trovão algum.
Mas quando se anunciou estava em cima do prédio e a luz foi-se.
Não sei quanto tempo permaneci acordado. De manhã estava moído, um gosto estranho na boca e a cabeça completamente vazia.
O sofá pareceu-me pequeno, demasiado apertado para um homem do meu tamanho lá caber.

4 de dezembro de 2008

O tamanho não é tudo

Despertei devagar. Deitado de barriga para baixo, o braço direito esticado adiante, a mão cravada numa terra muito castanha e tudo à volta muito verde, tão verde que fazía doer os olhos.
A cara rente ao solo deixava-me aperceber com uma visão de lupa pequenos habitantes que se movíam entre a relva, palhinhas, folhas encarquilhadas. Seguíam na sua vida, totalmente alheios à minha presença.
Eram figura de gente mas com carapaças de insectos, o colorido variado desde um vermelho intenso até ao negro azulado. Havíam mulheres lindas e homens gordos, alguns de barba aparada e o que estranhei mesmo, foi a elegância que aquelas asas, patas e penugens lhes confería, apesar do rosto ser humano.
Não reconheci ninguém.
E achei que desta forma podería atrever-me a uma partida: soprei de fininho e longamente.
Mas nada se passou, prosseguiram no seu caminho entre o verde luminoso.
Tentei empurrar uma mulher com asas de joaninha, fazendo uma leve pressão com o indicador, mas ela muito resistente, nada sentiu.
Era como se não tivesse força, presença.
Lembrei-me de repente que talvez eu não existisse... de palma bem aberta assentei com um ruído abafado todo o meu poder, o meu tamanho gigantesco em contraste com tais insignificantes criaturas.
Devo ter sorrido... achei-me superior.
Mas quando levantei a mão estava tudo exactamente como se nada se tivesse passado com o meu gesto.
Aborrecido, tentei erguer-me e ir embora.
Mas a mão cravada na terra prendía-me de tal forma que não consegui outra posição senão ficar de joelhos. Puxei, ajudei com a mão livre, senti os tendões do pulso a esticarem-se como elásticos, uma dor começou a apossar-se de mim, todo o verde se começou a engelhar como um tapete e concentrando-se na área onde eu me encontrava.
Gritei. Depois mais alto.
Mas de nada me serviu pois acabei engolido e o som mais parecía um restolhar de folhas velhas.
Acordei com o coração descompassado.
As duas mãos enroladas por baixo da almofada não obedeceram de tão dormentes que estavam.

3 de dezembro de 2008

As ajudantes

Confessei a um amigo os meus pesadelos com a figura do pai natal. Ele riu-se. Tentei que ele entendesse o quanto aquilo me angustía e me deixa mal mesmo depois de estar desperto. Aconselhou-me: que não negasse o simpático velhote, isso era tudo traumas da infância; e se isso não me bastasse, que pensasse nas belas jovens que costumam ajudá-lo, com aqueles fatinhos curtos, perna à vista, carapuço de pompom...
Calei-me, ninguém entende a aflição por que passo.
É tudo tão real, sensorial.
Quando me deitei, recordei-me da nossa conversa. Temi que aquilo se tornasse sonho e quase desejei ter uma das minhas insónias para não ter de passar outra vez pelo mesmo terror.
Sentei-me na minha secretária, papéis, telefonemas, o expediente normal. Chegaram duas meninas vestidas de pai natal. Fizeram-me cócegas com os arminhos dos fatos, risinhos baixos.
Eu só olhava ao redor, toda a gente a trabalhar sem me prestar atenção.
Abriram os fatos e uma delas sentou-se de pernas afastadas na minha mesa. Nua. A outra atiçava-me, perguntava se eu não quería brincar, se não gostava de brincar. Eu, cheio de vontade mas renitente, envergonhado perante os outros que estavam na sala, desconfiado também.
Trocaram de posições. Insistíam, levavam as minhas mãos ao corpo que se oferecía, um sexo exibido sem pejo, e a outra sempre a incitar-me.
Atirei-me de boca, as duas a gemerem em uníssono e eu cada vez a sentir um gozo maior.
O meu amigo aproximou-se e exigiu a sua parte na festa, que ele é que tinha falado delas. Copulou uma das meninas, eu a ver, e ele no acto sempre a dizer o mesmo, então isto faz algum medo? Isto faz algum medo? isto faz algum medo?
Não hesitei mais, entrei nela, demorei-me, era uma coisa sem fim, de prazer longo, fundo, vagaroso. Muito saboroso. Apertado, quente, quase sentía uma náusea de tão bom.
Quando dei conta, estávamos apenas os dois, os outros havíam desaparecido, a secretária, o escritório tinham-se evaporado, a minha cama recebía-nos confortavelmente, eu confortavelmente no meio das coxas dela, sempre vestida com aquele fatinho vermelho cheio de arminhos brancos.
Acordei tão tranquilo que me voltei para o outro lado e rápido voltei a adormecer.

2 de dezembro de 2008

Fixação

Empurraram-me para uma fila de miúdos, todos aos guinchos, eu enorme, de fato e gravata. Bem me revoltei e defendi que já não tinha idade para aquilo e tão pouco acreditava no pai natal, mas apertado entre uns e outros cheguei à cadeira onde o homenzinho das barbas brancas estava sentado.
Quería que eu me sentasse ao seu colo. Achei aquilo ridiculo! Antes que eu pudesse escapar-me, agarrou em mim com uma leveza que só visto e sentou-me nos joelhos. Depois ameaçou-me. Que se eu continuasse com a mesma postura ainda me acontecía qualquer coisa...
Eu olhava os miúdos na fila e aterrorizado, tentava que a minha expressão os alertasse para o perigo que corríam.
Nada: a euforia mantinha-se.
O pai natal começou a apertar-me cada vez mais e eu só vía vermelho, tudo vermelho, uma cor que cobría tudo de igual modo como um manto.
Gritei por socorro.
Ele agarrou-me pela gravata e enfiou-me na saca dos presentes.
Acordei sem ar, engasgado, uma sensação de mãos à volta do meu pescoço. Chamei-lhe tudo o que me lembrei e desejei que fosse para o inferno.
A chuva aumentou de intensidade e as pingueiras no varandim de metal, sincopadas, não me deixaram voltar a adormecer.

1 de dezembro de 2008

Pai Natal

Acreditei no Pai Natal até muito tarde. Acho que quería acreditar. Quando finalmente dei ouvidos aos amigos e os meus pais me confirmaram que era tudo uma invenção, o Natal acabou para mim. Deixei de sentir aquela ansiedade de ir para a cama e esperar pela madrugada do dia 25 para ver com que fora presenteado. O fascinio da surpresa era tudo e sem aquela mentira, passou tudo a ser mentira.
Desde a música na rádio, às iluminações na rua, aos pais natais de plásticos pendurados nas varandas como enforcados ou assaltantes, à correría para os centros comerciais tudo me alerta para o louco Dezembro. Mas a verdade é que me passa à margem, não ligo, gosto dos feriados e ponto.
Deitei-me tranquilo, saber o despertador mudo agradou-me, mandriar na cama no dia seguinte ainda me satisfez mais.
Dei com ele na minha sala a mexer em tudo. Chamei-lhe a atenção e pedi-lhe que saísse. Não me ligou, agarrei-o por um braço e puxei-o para fora, repetindo a ordem de rua. Ameaçou-me com a sua figura barriguda, cresceu desmesuradamente ao ponto de vergar o pescoço para não bater no tecto. Não me intimidei, chamei-lhe fraude e que a mim não me enganava. Atirou-me com a saca dos brinquedos, mas aquilo era macio e não me fez mossa nenhuma.
Saltei para cima da mesa de jantar e de dedo esticado, irónico e valente, disse-lhe que fosse dar uma volta ao bilhar grande.
O Pai Natal enfureceu-se. Dobrou-se sobre mim. Agarrei-lhe a barba branca e encaracolada e fiquei em pânico quando uma mecha de cabelos me veio colada às mãos. Fiquei sem saber o que fazer.
Ele nada dizía, só estava inclinado sobre mim, como um boneco.
Achei que a vingança me apanharía de surpresa e num golpe de génio, atirei-me à cabeleira, às barbas, onde conseguisse segurar.
Pendurado e a usar de toda a minha força não percebía porque razão ele não reagía. Um nariz vermelho de bola, como o dos palhaços cresceu-lhe e eu aterrorizado, desatei a urrar. Arranquei-lhe a cabeça, o corpo de pé, enorme e bojudo e aquela cabeça a rolar pela minha sala, o nariz vermelho a aparecer de quando em vez.
Acordei. Levantei-me e fui à sala. Tudo escuro, silencioso. Acendi a luz, tudo normal.
Sentei-me no sofá e aí fiquei até tremer de frio.