15 de julho de 2009

Longe e sózinho

Agarro as abas do casaco, puxo a gola ao pescoço, o vento é tanto, sinto frio, tenho vontade de chorar mas não é da ventania que me bate nos olhos, são saudades.
A rua está deserta.
É só uma rua cinzenta, larga, uma avenida que aos poucos e conforme a desço se vai alastrando, os passeios de um extremo ao outro cada vez mais distantes.
É só uma rua e eu.
Estranho não haver prédios, carros, gente, barulho. Talvez encontre as crianças que costumam brincar no passeio, aí estarei a salvo, sei que não estarei perdido.
Mas o vento é tanto que quanto mais ando mais longe fico. Para onde vou não sei, choro, tenho saudades de tudo, principalmente de mim, parece que me perdi no outro passeio mas está tudo tão distante que não consigo avistar-me.
É só uma rua, uma rua que me engole e me entrega ao anonimato completo.
Choro, quero ser alguém, quero encontrar-me outra vez, a partir daí sei que encontro os miudos e tudo estará correcto, certo, o vendaval pára e volto a sentir a brisa morna que costuma haver nesta rua cinzenta.
Desperto ofegante, ainda a gemer e a choramingar.
Estou longe de casa, longe de tudo. Acho que tenho medo.

14 de julho de 2009

Consolo(do regresso)

Estranha sensação esta de abrir a boca, trazerem-me o garfo à boca, enrolado no garfo uma massa italiana ligeiramente rija, saborosa, sinto o cheiro ácido de tomate. Isto é mesmo bom, quero mais.
Sinto as garfadas a prosseguirem o seu caminho até à minha boca, só não vejo a proveniência, há-de haver algures um prato desta comida, quente, consola-me, é vermelha tingida do tomate, tenho a certeza, mas a mão que guia o talher não é a minha. Tão pouco tenho os olhos abertos, como consigo ver o que como e me sabe tão bem?
Acordo.
Quase sinto o gosto da pasta que sonhei...
Envergonho-me mas também me dá vontade de rir. Babei-me.
(1º Sonho desde que regressei a casa)

13 de julho de 2009

Reblogo, logo estou vivo

Regresso.
E fico satisfeito por ainda ter vontade de aqui voltar e escrever, por saber que houve quem não esquecesse este modesto bloco-notas de um homem que muitas vezes não tem a certeza da realidade, sobre a sua existência enquanto individuo no mundo que o cerca, sobre a sua sanidade mental, sobre o acordar finalmente de um sonho que o atormentou por tantas horas.
Volto aos meus relatos de sonos percorridos entre corredores que não sei onde vão dar, nem se têm préstimo algum, quer sejam para mim, quer para quem generosamente se dá ao trabalho de aqui passar e me ler.
Chego ao que me parece a minha (outra) casa. Senti saudades.
Não volto diferente ou curado dos pesadelos, ou mesmo aliviado sobre a quantidade de sonhos. Não, continua tudo na mesma forma.
Só eu mesmo, o Anónimo é que regresso. Estou vivo.

6 de maio de 2009

Quase mentira, quase verdade

Escrevo aqui tudo o que sinto, o que me incomoda e o que me satisfaz. É um acto orgânico, tão necessário como comer. Passou igualmente a ser um vicio, pois quando não o faço tomo notas, seja em que papel for ou até em circunstâncias que parecem menos próprias.
Passei a aceitar este lugar como a extensão de mim mesmo. E os outros também: Incentivam-me, pedem-me conselhos como orientar a sua vida, preocupam-se quando não está actualizado e até o chefe já me disse que me tornei outro homem desde que criei isto.
É tudo verdade.
Há uma clarividência nos meus actos, não me engano nem tomo atitudes incorrectas. Creio que tenho um dom e ele foi-me revelado através do blog.
Só tenho que escrever, escrever sempre muito e todos os dias. Sei de antemão quando aqui me visitam e pedem que os visite. Sinto que faço parte da vida deles e eles contam comigo, não posso falhar.
Mas começo a ter medo. Medo de não conseguir dormir e não sonhar ou deixar de ter pesadelos. Se a insónia aparecer lá se vai a galinha dos ovos de ouro, ou seja a estima e consideração que me reservam, a inspiração que serve de inspiração aos outros.
Acordo transpirado.
Abro a janela. Está uma lua enorme e amarela lá no alto. Por instantes fecho os olhos, a imagem é tão misteriosa que me pergunto se o que vejo é ainda o sonho, uma alucinação ou é mesmo a noite com a lua tão cheia.
Desligo o portátil que ficou esquecido no sleeptime.

5 de maio de 2009

Voltei (a mim)

Tudo tão branco e macio, muito agradável aos olhos, ao toque. Sinto-me bem, tenho vontade de rir e fazer piadas, pôr os outros a rirem do mesmo que eu. Eles riem só de me verem sorrir, sem nada de concreto, apenas boa disposição.
Não sei quem é esta gente mas sinto-me bem entre eles e parece que sou muito popular, tratam-me bem, dão-me palmadinhas no pescoço e nos ombros, procuram que eu esteja perto deles.
Ela chegou elegante, de branco como tudo o resto, vem a sorrir, é tão bonita quando sorri.
Dá-me a mão, encosta a cabeça ao meu peito, ficamos assim juntos, os outros felizes por nos verem felizes.
Não sei quem é esta mulher bonita mas sinto-me à vontade com ela... É estranho, ninguém fala e no entanto ouço eles falarem, a mulher a dizer-me frases de amor, parece que os diálogos se constroiem dentro da minha cabeça e todos podem participar, dar opinião, concordar sem haver a necessidade de fazer o som para articular as palavras.
Beijo a mulher na testa, ela fecha os olhos e diz-me está bem. Mas só o diz dentro da minha cabeça, tranquila, pacifica.
Acordo com as notas que tenho andado a escrever ao lado da almofada, a luz acesa.
Ouço um grilo lá fora. Ou uma cigarra, não sei. Sei que gosto deste som. Acho que regressei a mim. Não sei explicar isto de outra maneira.
Amanhã vou trabalhar.

4 de maio de 2009

Registo 3

Mais uma nota. (Isto devía ir tudo directamente para o lixo!)
Li o que escrevi - muito em cima do joelho - e parece coisa de drogado.
Não vou voltar a fazer o que fiz, é preferível aguentar a insónia. Hei-de dormir, o sono há-de ser mais forte. Afinal o ser humano tem de dormir, obrigatoriamente, os nossos ciclos são assim: em alerta e em repouso.
Volto a lembrar-me do B., mas continuo sem ter a memória fotográfica necessária para o visualizar.
Sinto-me triste, mas não da mesma forma como tenho andado a sentir a tristeza, quase uma auto-comiseração. Sinto pena de não termos mantido o contacto. A vida tem umas voltas bizarras e retorcidas. Tentei retomar o contacto com um morto.

3 de maio de 2009

Registo 2

Estou pedrado. Devo estar. Sinto-me lento e tenho uma sede terrível, a lingua seca. Estou um pouco confuso. Desliguei o telemóvel. Mas agora estou com algum receio: Se me acontece alguma coisa...
Isto é tudo estúpido, estou para aqui a tentar escrever coisas com nexo quando nem para mim o fazem.
Tenho sono, muito sono.

2 de maio de 2009

Registo 1

Pedi uns dias antecipados de férias.
Continuo sem dormir.
Não me apetece escrever no blog. Aliás não me apetece nada. Deve ser assim que as pessoas começam a entrar em depressão.
Não tenho opção: Vou mesmo tomar um drunf. Ou até dois.

1 de maio de 2009

Com assinatura

Lá fora o cão, umas pessoas que riem alto e guincham, o som baço do rádio do carro que martela um ritmo constante. Dói-me a cabeça. Dói-me a cabeça como se fosse explodir. Lembro-me de um pesadelo recorrente que me aflige até às lágrimas, em que jorro sangue sem conseguir descobrir por onde. Acabo por perecer não pelo esvaír mas por me afogar no meu próprio sangue.
Quase temo que a cabeça me exploda e o sangue suje as paredes.
Esta noite, como de há quinze dias para cá a insónia. A maldita insónia.
Desta vez sei qual é a causa para não conseguir dormir. O bizarro disto tudo foi ter ido à procura de razões para a origem da insónia, achar que ao descobri-las era a solução para acabar de vez com elas. Ou pelo menos, entender o meu pesadelo da rua cinzenta.
No fundo, bem cá no fundo acho que sempre soube. Talvez por isso tenha arranjado desculpas para mim próprio para não encarar aquilo que inconscientemente já sabía.
Não se trata de intuições, sextos sentidos nem premonições. Não sou dado a esse tipo de coisas e na verdade nem sei se acredito nelas, mas cá dentro de mim havía qualquer coisa que me atrasava...
Saber agora que o meu amigo de infância morreu em 2006 foi e é, um duro golpe.
Não vou aqui contar o como, não altera nada e devo-lhe a ele e a mim também essa privacidade.
Não sei se me dói a cabeça por não conseguir dormir se por fazer tanta força para me lembrar do rosto dele e não conseguir.



PS.: O som é para ti B.

18 de abril de 2009

À capela

Tive um serão agradável: Um grupo de antigos colegas juntamo-nos, como o fazemos todos os anos pela Primavera. Falamos do tempo de escola, de Coimbra, das republicas, é assunto obrigatório e recorrente. Falamos do que fazemos actualmente, dos que não apareceram, especulamos, rimos, comemos e bebemos. No final, os fados de capa negra.
Regressei a casa com uma paz imensa e a trautear o que ouvira.
Recolhi-me e ferrei no sono.
Destaparam-me, puxaram-me por um pé e caí redondo no chão.
Toda a entrada do quarto estava vedada por uma barreira de homens enormes envoltos em capas negras. Um som de capela silvou e eu tapei os ouvidos, fechei os olhos, mas à medida que o entoar se mantinha estável, modulado, quase palpável comecei a sentir uma admiração enorme por quem cantava.
No meio deles, o meu colega de escola, o miúdo de calções, joelhos feridos, a imagem cinzenta no seu todo. Lembro-me de lhe ter pedido desculpa por não o procurar. A voz dele elevou-se à dos outros. Até se extinguir o som e a sua figura cinzenta.
Acordei tranquilo, uma sensação de perdão, o coração calmo.
Vou procurar o meu amigo de infância, devo isso a mim mesmo.

17 de abril de 2009

Caminhadas

Deitei-me de estomago ainda cheio. Já sei que isto não dá bom resultado, mas sentía-me sonolento e achei que não devía perder a oportunidade.
Adormeci profundamente, como uma pedra.
Até aí tudo bem. O pior foi ter acordado enjoado, transpirado, uma sensação de vómito que não dá para aguentar. Mas aguentei. O sono é que não voltou.
E por isso, desta vez resolvi fazer uma coisa que nunca fiz: Saír de casa, ir à procura do cão que ladra a meio da noite, andar, cansar-me, qualquer coisa para ocupar o tempo e o espirito.
Chovía, não muito, mas aquela morrinha que ensopa a roupa.
Passados vinte minutos estava de volta a casa.
Tomei um duche quente, deitei-me e adormeci como um bébé até ao dia seguinte. Se sonhei não me lembro de nada.
Não encontrei o cão e tão pouco o ouvi ladrar.
Estou como novo!

16 de abril de 2009

Outras vidas?

A mulher de rosto de cera e lábios vermelhos olha-me tristemente sem mover um músculo.
Eu passo várias vezes à porta onde ela se mantém direita, mãos traçadas sobre a roda do vestido, passo sempre como se andasse num carrossel, mas não às voltas, é um movimento igual ao de atravessar infinitamente uma rua ao volante de um carro, em ritmo lento, tudo se passa em ralenti, só eu estou a uma velocidade real assim como os olhos tristes dela.
Ao redor tudo está destruído, sem cor, só os lábios vermelhos muito intensos numa cara de tanto sofrimento.
Passo sempre sem parar, sem conseguir parar junto a ela, pedir-lhe para não ficar triste, que venha comigo.
Sinto no peito a dor dela, o silêncio dela.
Quando acordo sinto-me amargurado. E de repente recordo-me de todo aquele estranho silêncio que temi quando estive fora e vejo que o meu medo era porque já o havía experimentado antes neste sonho recorrente.
Por um lado fico contente de achar uma ponte entre estas duas dimensões. Por outro, assaltam-me ideias de vidas reencarnadas... Será que eu já conheci a mulher do meu sonho noutros tempos e o silêncio do quarto de hotel despertou a minha vida passada?
Sinto-me estranho. Amargurado como já disse.
E ouço o cão no seu ladrar solitário. Lembro-me de ter tido saudades de o ouvir e neste momento não quería nada ouvi-lo. Nada mesmo.

15 de abril de 2009

Confidências

Tenho andado estes dias a passar as notas que tomei aquando da minha última viagem aqui para o blog.
Inicialmente tinha pensado compô-las, mas agora acho que toda a terapeutica deste sitio tem exactamente a ver com a realidade e crueza com que tenho passado para aqui todos os sentimentos e emoções que me possuem quando sonho, quando as insónias me põem as mãos a tremer ou até mesmo quando choro por os pesadelos serem demasiado para os aguentar, duvidando se são ou não materialmente vividos.
Talvez o objectivo inicial disto tudo se tenha perdido um pouco no espaço e no tempo, mas a verdade é que me sinto impelido aqui a vir, se não sempre, pelo menos quando o bichinho da blogesfera me chama (já me tinham avisado e eu não quis acreditar...)
Foi esta também uma forma de descobrir que há outros que também se afligem com os mesmos pesadelos; Não que isto me compense, mas deixei de me achar um anormal e principalmente, retirei todo o pragamtismo analitico que os profissionais durante anos a fio me incutiram (e me raparam do bolso!).
Se a minha natureza é sonhar, sofrer com os pesadelos, pois que seja, mas pelo menos que me dê consciência e tino suficientes para os poder descrever da melhor forma que sei.
Não sou escritor, serei um contador do que se atravessa nas minhas horas de dormir, e se o anonimato se impõe pelas circunstâncias da vida, que não se considere tal como uma cobardia mas uma necessidade de não me olharem de modo diferente apenas porque confesso o que de tão intimo se passa comigo.

14 de abril de 2009

Pernas para que vos quero

São só pernas, enormes, esguias, de um tom dourado e brilhantes como se estivessem cobertas de um pó de ouro que reluz. São pernas tão altas que dá para eu passar por baixo delas como se fossem uma ponte.
Apetece-me olhar para cima... Nem que seja num relance.
Imagino como será... Se tem pernas deste tamanho, proporcionalmente... Como será?
São pernas que se cruzam atrevidamente, fazem curvas e ângulos, atiçam o meu desejo de lhes tocar, apertar, afastar.
Eu conheço estas pernas mas não sei de onde.
Desperto e sei que estou a sorrir. Já sei de onde conheço estas pernas gigantes: São da interprete alemã que esteve aqueles dias a trabalhar comigo.
Não era uma mulher atraente mas tinha um par de pernas de caír para o lado.
Aninho-me: Talvez agora consiga sonhar com o resto do corpo. E pôr-lhe um rosto mais simpático e afável do que o que na realidade tinha.

13 de abril de 2009

Azul claro

Chamo-a várias vezes, não se volta, aos meus olhos o detalhe do roupão azul claro a arrastar pelo chão, os ombros bem destacados numa espécie de nevoeiro que a vai engolindo. Grito, talvez não me tenha escutado, mas prossegue sem se virar e no entanto eu sei cá no fundo que me ouve tão distintamente quanto se estivesse ao meu lado.
Estranho que venha para a rua com o roupão azul claro. A minha mãe não é destas coisas, deve ter acontecido um problema qualquer para vir para a rua nesta roupa. Pergunto-lhe: caminhando sempre, responde-me baixo e eu ouço-a, não pára, não se vira para me olhar e explicar porque está vestida desta forma em plena rua, capaz de encontrar outras pessoas para além de mim, comigo não faz mal mas os outros que irão pensar?
O nevoeiro acompanha-a como uma moldura, um contraste esbatido entre o claro do azul e o leitoso transparente.
Lembro-me deste roupão quando eu era miúdo e ela vinha ao meu quarto sossegar-me tarde da noite, abraçar-me e dizer que eram pesadelos. Talvez me deva deitar aqui mesmo, assim ela virá e olhará para mim e abraça-me e acaba-se com isto tudo.
Deito-me no passeio da rua, deixo de a ver, ao nevoeiro, à bainha do roupão azul claro a arrastar.
Há gente que se aproxima de mim, envergonho-me.
Acordo hirto, destapado. Muito assustado.
Tenho tantas saudades da minha mãe.

5 de abril de 2009

A (minha) casa

Como é agradável regressarmos a casa, saber onde estão as nossas coisas, tudo certo, tudo com a nossa marca.
Tenho a certeza que hoje vou dormir.
Passei mais uma vez a barreira do meu próprio medo quanto ao viajar pelos céus (Acho que nunca me vou habituar...), tenho os pés na terra firme, na minha casa, no meu mundo cheio de barulhos pequeninos que me fazem sentir vivo. Engraçado que nunca me tinha apercebido como me são importantes para o equilibrio emocional. Só por isso já mereço dormir como uma pessoa normal.
Amanhã vou ao escritório, entrego os relatórios, faço a reunião e depois férias. Uns merecidos dias de descanso pela semana pascal.
(Não vou acabar com o meu blog. Sería de uma grande estupidez desperdiçar estes meses. Ignorar-me. E até mesmo aos que tiveram paciência suficiente para me lerem e aconselharem, que embora sendo no virtual, melhor coisa teríam para ler sem ser a mim e às minhas loucuras)

4 de abril de 2009

Saudades

Tanta vontade de dormir tinha que obviamente resultar em asneira: adormeci profundamente por duas horas, um pouco mais, depois a espertina, este maldito silêncio que me põe os nervos num feixe.
Se estivesse em casa àquela hora da madrugada decerto ouviría o cão a ladrar. Aquele som triste que me deixa melancólico, triste, saudoso. Acho que tenho saudades daqueles uivos lamentosos... Aqui não há nada, nem cães, nem pessoas que se sintam vivas.
Parece que dormi para acordar para um silêncio de morte.
Não quero voltar a ficar neste hotel. Como é lugubre tanto silêncio!