13 de abril de 2009

Azul claro

Chamo-a várias vezes, não se volta, aos meus olhos o detalhe do roupão azul claro a arrastar pelo chão, os ombros bem destacados numa espécie de nevoeiro que a vai engolindo. Grito, talvez não me tenha escutado, mas prossegue sem se virar e no entanto eu sei cá no fundo que me ouve tão distintamente quanto se estivesse ao meu lado.
Estranho que venha para a rua com o roupão azul claro. A minha mãe não é destas coisas, deve ter acontecido um problema qualquer para vir para a rua nesta roupa. Pergunto-lhe: caminhando sempre, responde-me baixo e eu ouço-a, não pára, não se vira para me olhar e explicar porque está vestida desta forma em plena rua, capaz de encontrar outras pessoas para além de mim, comigo não faz mal mas os outros que irão pensar?
O nevoeiro acompanha-a como uma moldura, um contraste esbatido entre o claro do azul e o leitoso transparente.
Lembro-me deste roupão quando eu era miúdo e ela vinha ao meu quarto sossegar-me tarde da noite, abraçar-me e dizer que eram pesadelos. Talvez me deva deitar aqui mesmo, assim ela virá e olhará para mim e abraça-me e acaba-se com isto tudo.
Deito-me no passeio da rua, deixo de a ver, ao nevoeiro, à bainha do roupão azul claro a arrastar.
Há gente que se aproxima de mim, envergonho-me.
Acordo hirto, destapado. Muito assustado.
Tenho tantas saudades da minha mãe.

1 comentário:

Alexandra disse...

O desejo de reencontrar o seu calor...o seu perfume... aquilo que, outrora, deu segurança. No fundo aquilo que todos nós queremos e procuramos. Talvez daí a simbologia do roupão azul.

A ausência de comunicação... talvez a tomada de consciência, mesmo em conteúdo onírico, de que a sua presença, embora desejada, não é possível.

Saudade... quem não carrega consigo esse "sentir" tão português?! Talvez mais pesada ainda tratando-se da figura materna!

Lamento, sinceramente!!