31 de março de 2009

Quarto de hotel

Nunca fiquei neste hotel.
Não é mau, é confortável, os empregados têm a delicadeza habitual dos germânicos, gestos de cabeça acompanhados de um esboçar de sorrisos, tudo muito limpo e distante. Digo eu, habituado ao comportamento dos latinos...
O quarto é simples: cama fofa, almofadas tamanho XXL (demasiado moles, sinto a cabeça a afundar), alcatifa creme, sofá vermelho escuro, cortinas pesadas da cor da alcatifa, secretária, cadeira, plasma, telefone, frigobar e uma casa-de-banho toda em mármore imaculadamente desinfectada.
Não me falta nada e parece que tudo me falta.
Falta o sono chegar, aquela sensação de cansaço no corpo que nos faz apetecer deitar e aconchegar entre a roupa com o nosso cheiro, depois de um dia de trabalho.
Tive um dia cheio, muito cheio e embora tenha ficado toda a noite anterior sem fechar os olhos sei que estive focado e não me saí mal.
Mas nem mesmo esta sensação de dever cumprido me relaxou o suficiente para me apetecer recolher, apagar a luz e descansar. O silêncio de novo. Se desligar o plasma desligo o mundo.
Sou só eu e esta insónia: Uma mulher exigente que reclama continuamente o meu corpo até à minha alma.

30 de março de 2009

A viagem

A viagem fez-se normal, os meus receios habituais sobre os aviões foram isso mesmo: Habituais.
Para além destes, a expectativa sobre o hotel, o quarto. Eu sei que pensar demasiado no que estará para chegar é um pouco como o perú e morrer de véspera, mas se as minhas noites são o que são num ambiente que me é familiar, não se pode achar descabido que as adivinhe hostis num sitio que não é o meu.
A primeira noite, fria, muito, muito fria, entregou-me uma insónia daquelas de estalar.
Havía um silêncio que se ouvía. Um silêncio frio, quase morto, quase nada.
De repente senti-me o único vivo daquele hotel, nada se escutava, nem água a correr nas torneiras, nem pés cuidadosos de empregados, tão pouco alguém que se animasse num quarto perto.
Quando chegou a hora de abrir a porta, quase estranhei ver outras pessoas na sua rotina habitual. O meu colega elogiou o sossego, a noite bem dormida e o consequente sucesso garantido na reunião que iríamos ter. Fui incapaz de lhe revelar como fora a minha noite.
E por isso mesmo, resolvi todas as noites tomar notas sobre as minhas noites.
Não são textos literários, são apontamentos sobre o meu comportamento, o que me rodeou, os sonhos e claro, os pesadelos.

24 de março de 2009

Mais uma

São 4,22h.
Entre tantas esta é apenas mais uma noite de insónia.
Sinto-me estranhamente calmo e ao mesmo tempo a tremer por dentro. Não sei a que atribuír esta espertina: Não tomei café ao jantar, não me aborreci e não tive mais problemas para resolver para além do habitual. As coisas no escritório vão a uma velocidade normalissima e nem mesmo a viagem que farei dentro de dias me tem apoquentado (eu gosto de viajar, o mal são os aviões).
Li o que escrevi ao longo destes meses por aqui.
Na verdade, acho que se não soubesse que isto são tudo coisas por que passei, acharía que quem escreveu isto, no minimo, precisava de tratamento. Ou até internamento.
Começo a pensar que sou um perigo para mim próprio... Se não tivesse sentido na carne os horrores de cada um dos pesadelos que sofri diría que isto tudo que por aqui vai, não passa de um argumento para um filme passado num manicómio, e que na vida real, não podería acontecer.
Mas aconteceu. Senti e doeu-me. E como tudo na vida, tenho mais tendência para me lembrar dos pesadelos do que dos sonhos. Já os tive, bons e bonitos.
Talvez deva escrever aqui apenas os sonhos, esquecer os pesadelos e as insónias, fazer de conta que só sonho cor-de-rosa.
Este foi mais um registo de ver as horas a passarem. São 6,05.
Estou cansado.
Estou com sono mas a vida está à minha espera.

23 de março de 2009

Zero

Uma caixa de cartão simples, sem mais nada, parda, no topo as badanas semi-levantadas. Espreito para o seu interior: Cheia com uma pilha de papel branco. Debruço-me, acho estranho tanto papel sem nada escrito. Quando aproximo a vista constato que estão preenchidas com números. Números e mais números enfileirados, carreiras, linhas compactas de números desde o topo até aos extremos.
Não entendo estes números, o que são, o que querem dizer, o que se pretende que eu faça deles.
Folheio a pilha de papel apertada na medida da caixa, não consigo tirá-la para fora, todas as outras folhas estão repletas de números.
Estes números vão aumentando de tamanho. Deduzo que na última folha do monte há-de estar apenas um único algarismo.
Tenho para mim que há-de ser o 8, que é o meu favorito.
Mas não: São apenas dois zeros um por cima do outro, separados por uma ligeira distância entre eles.
São um oito desligado, penso, se os juntar hão-de ser de novo o meu número da sorte.
Com o indicador empurro o zero de baixo na direcção do de cima. Faço uma ligeira pressão para que se mova até se unir ao outro zero.
Insisto, raspo com a unha, arrasto, nada. Teimoso, faço força usando todos os dedos.
O papel fura-se, separa-se num rasgão e agora os dois zeros estão mais afastados do que nunca. Sei que nunca terei sorte, condenei a minha sorte às minhas próprias mãos.
Quando acordo tenho o coração a bater num compasso violento, uma angústia não só por mim mas por todo o quarto, quase sinto, por toda a minha vida.

22 de março de 2009

Incurável

A rua está no sitio dela, cinzenta, ventosa. Só é rua porque eu estou lá e faço dela um sitio de medo. Não sei de quê. Até os garotos me assustam, sinto sempre receio de lhes ver os joelhos esfolados, encadear-me no sangue em fio em contraste com a falta de outras cores que pareço não conseguir fabricar.
Mas só neste sonho.
Nos outros, mesmo naqueles em que é tudo branco e não consigo ver, não há a ansiedade deste, a empurrar-me ao longo da rua onde cada promenor parece ferir-me a vista: as pedras da calçada, a falta de outros para além de mim e dos miúdos, passadeiras de peões, que a qualquer momento se tornam grades de cárceres horizontais que me hão-de engolir sem a esperança de que o grito que solto há-de acudir outros e os outros me hão-de dar a mão.
Aos poucos trago para esta rua, camufladamente, gostos que gostaría de ter tido. A mulher do quadro que de quando em vez se escapa ao meu encalce, o meu amigo de infância a quem perdi o rasto.
Tenho andado fora, muito por fora do que é entendimento racional e aceite.
Os pesadelos voltam, num ciclo vicioso sem se alterarem no conteúdo e sem me darem tréguas ao esquecimento. Quero pensar noutras coisas e não consigo, tenho medo de dormir, tenho medo de não conseguir dormir, tenho medo de não acordar.
Até que ponto remexer nos sonhos e pesadelos não os dimensiona?
Até que ponto esquecer kem dorme não é um passo atrás nas escadas que venho a subir aos poucos para entender - estou certo - o que é incurável?

9 de março de 2009

Night and Day

Do palco escuro a boca vermelhíssima dela sob o spotlight parece iluminar todas as palavras que diz, Night and Day, convenço-me que canta para mim e fá-lo de uma forma perfeita.
Os que estão presentes neste salão comentam que ela canta para mim.
Tenho o coração acelerado, canto para mim as mesmas palavras da melodia e tudo parece fazer sentido, sinto-me como pertencendo a este ambiente faustoso e de permamente festa em que nada tería o mesmo brilho se eu não estivesse aqui.
É uma sensação de bonomia saber que somos queridos e que fazemos a diferença.
Ela sai do palco e senta-se numa mesa distante na companhia de um homem que desconheço, olho-a, espero a qualquer instante que ela venha até mim, me pegue na mão, me fale num inglês adocicado, sei o que me há-de dizer, digo-o silencioso muitas vezes, talvez assim ela chegue mais rápido e deixe o homem que parece diverti-la.
Admiro-a: as curvas do vestido comprido envolvem-lhe as pernas e o tronco, o cabelo, a boca vermelhíssima tudo é semelhante a uma moldura que a fecha na sua beleza.
Sorrio, sei que me castiga, que me quer deixar ansioso, mas não consegue, a música que cantou foi para mim, Night and day you are the...
O ambiente enche-se de rolos de fumo azulado adensando um mistério bom, sou especial, ela é minha, até os outros o dizem, e sempre a música a confirmar esta ligação, é um inuendo, não é descarada, exibida, é daquelas relações que os outros suspeitam e comentam sem certezas.
Acordo com o meu próprio som de voz a cantar Night and Day, sorrio, rio. E depois penso que ela no meu sonho não chegou a regressar à minha mesa, que podería ter sonhado um bocadinho mais até ela se sentar perto de mim, só mais este bocadinho e tería sido perfeito.

8 de março de 2009

Ufa!

Uma palavra de reconhecimento e gratidão por todos quantos aqui vieram na minha ausência.
Trabalho e blog não combinam.
E do primeiro tenho tido fartura até ao enjoo.
Quisera que todas as insónias e pesadelos se fartassem de mim... Mas não, andaram por cá na dose do costume.
Na semana que entra conto-vos. E visito-Vos.