15 de fevereiro de 2009

Há luz na minha rua

Levanto-me da cama, tronco nú, afasto as cortinas e abeiro-me do parapeito da janela. Penduro a cabeça, consigo ver distintamente o fundo da rua, perto do passeio, as pedras que constituem o desenho da calçada.
Sei que é igual ao da rua cinzenta mas esta é a minha rua e assim não pode ser cinzenta, tem que ter cor, movimento, carros e a esta hora não pode ter miúdos a brincar porque é noite e é escuro apesar dos candeeiros acesos.
Esforço-me cada vez mais por achar estes sinais na minha rua, desejá-los, sentir que tenho esse poder apenas por o pensar veemente. Nada, tudo se apresenta como a rua cinzenta, o silêncio surdo que me enche os ouvidos e depois a cabeça retirando espaço aos meus desejos e à minha vontade.
Cada vez me penduro mais para o lado de fora, inverto a minha verticalidade, os pés na direcção do céu. Sei que o céu a esta hora da noite é azul muito escuro, sei-o pelos meus pés.
E sei também como um flash, que se caír haverá vermelho a manchar a calçada, o cinzento foge, há-de fugir concerteza.
Penso numa solução: Os meus pés tocam o céu e como um êmbolo de uma caneta de tinta permanente sugo o azul escuro transporto-o até à calçada e fico feliz de ser azul e não ser encarnado pela minha queda.
Acordo. Adormeci há tão pouco tempo que nem sequer desliguei a luz.

1 comentário:

Alexandra disse...

"(...)ser azul e não ser encarnado pela minha queda." - Parece-me que este contexto é importante.

Afinal na "sua rua" já existe uma côr que não o negro... e essa côr foi-lhe dada por si. Isso é significativo. Talvez o seu trabalho esteja a dar um pequeno fruto... quem sabe?!

Uma pergunta para si: Em termos simbólicos, qual o sentido da inversão da verticalidade?

Gostei, gostei muito!! Continue!!

Bom fim de semana.