20 de janeiro de 2009

O bolo

Palmas, muitas palmas, gente bonita, bem vestida, uma luz espectacular a conferir um glamour igualzinho ao das grandes produções da sétima arte.
Acho que conheço este sitio... Cotton Club? É, é mesmo!
Fala-se num linguajar doce, tudo muito melodioso que vai bem com o tilintar dos copos de champagne, um chic perfeito, nada de demasiado.
Dois empregados de branco-branco e negro-negro empurram um bolo da minha altura, rosa, creme, prata, inúmeras velas a cintilarem.
Sinto um fascinio enorme por estar aqui. Toda a gente bonita rodeia o bolo, aplaude, sorríem-me, estou feliz, mas tão feliz que até parece que me dói o peito, agradeço a todos, saiem-me as palavras na mesma linguagem elegante.
O discurso é interrompido por uma coelhinha que salta de dentro do bolo. Penso quem terá adivinhado este meu desejo guardado como um segredo. O salão enche-se em uníssono de um fuck, fuck, fuck.
Ela aproxima-se de mim, oferece-se, sei o que esperam de mim, agarro-a pela cintura mas todo o seu corpo tem a textura do bolo, macio, fofo, demasiado mole para o conseguir segurar, escorregadio, por mais que tente tudo se espalma nas minhas mãos, suja-me o fato, a cara, as orelhas.
O coro mantém-se inabalável e eu faço a única coisa possível: como-a.

19 de janeiro de 2009

Ainda analisando

É notória a importância que um bom sono tem para o pleno desenvolvimento das capacidades com que nos debatemos no dia-a-dia, mesmo nas actividades mais rotinadas e comezinhas.
Pois bem, para mim não é diferente, assim como também não o é o peso que os meus sonhos e pesadelos têm, a influência que causam no meu humor, na produção a nível profissional, nas relações de amizade e até de amor.
Celibatário de momento, nem sempre o fui e tão pouco o sou por convicção.
Mas é dificil acordar com a mulher com quem fizémos amor a olhar-nos apavorada por temer estar na cama de um louco ou tão só desconhecer o que se passa.
Claro que eu conto, viro-me em explicações, tento ilustrar da melhor forma as cenas que rondam os meus sonos, os períodos de insónia, os pesadelos que me tornam mudo por horas, mas deve ser muito diferente de assistir; E eu digo assistir, porque claro, a faculdade de me poder ver a mim próprio naqueles preparos eu não tenho.
Tudo isto é constrangedor. E inultrapassável.
Confesso que sinto a falta de alguém que me entenda, que não tenha medo de se deitar com um psicopata ou que muito simplesmente me ouça sem abanar a cabeça.

18 de janeiro de 2009

Incompreendido

Comentei com um amigo o que sonhara na noite anterior, o berro, os vidros, o horror dos sons. A ainda incredibilidade por não me ter apercebido que era de mim que provinham. O rasto, muito curto, de um sonho em que apenas conseguira visionar o final, e em que parecía que me tornara espectador de mim mesmo.
Perguntei-lhe se já tinha passado pela mesma experiência.
Riu-se, disse-me que tinha de deixar de fumar coisas esquisitas...
Encarei-o e falei-lhe na seriedade da questão, o quanto isto me perturbava, que mesmo com o passar dos anos nada nos meus sonhos se tornara mais leve ao contrário do que os profissionais sempre me havíam garantido.
A resposta que me deu foi desconcertante: Acorda com o seu próprio ressonar quando se engasga.

17 de janeiro de 2009

Sons

Deitei-me cedo, li um pouco e quando comecei a sentir as pálpebras a pesarem encostei o livro e apaguei a luz.
Creio ter adormecido quase de imediato, pois quando acordei ainda estava deitado para o mesmo lado.
O que me despertou foi o som de vidros a escaqueirarem-se e um grito que me fez sentir um arrepio ao longo da espinha. Senti o coração disparado. Depois um aperto pelo horror do berro. Fiquei à escuta, atentamente, à espera de ouvir vozes, barulho de gente a movimentar-se. Nada. Um silêncio profundo.
Não sei quanto tempo passou até acordar novamente, o mesmo grito, os vidros naquele tom gélido que fazem quando se partem.
Sentei-me na cama.
Achei impossível que viesse a quietude a seguir a tamanho ruído. E nada. Nada mesmo. Nem o som de estores a subirem, a vizinhança à cata da origem de tal barulho a rasgar a noite.
Permaneci na escuridão e sentado alerta.
Lá fora apenas uma bulha de gatos, os miados de quem chama a parceira, recordei o Janeiro. Ainda assemelhei a gritaria dos felinos ao som terrível que ouvira mas... não era de todo a mesma coisa.
Gelado, cobri-me e já de olhos fechados achei que no dia seguinte alguém comentaría o facto e eu ficaría a saber o que se passara.
Quando pela terceira vez ouvi aqueles sons de paralisar ainda vi no meu pesadelo, que era eu que me cortava numa janela.

16 de janeiro de 2009

Sonambulismo

O sonambulismo é um transtorno classificado como uma parassonia do sono, também chamado noctambulismo, durante o qual a pessoa pode desenvolver habilidades motoras simples ou complexas. O sonâmbulo sai da cama e pode andar, urinar, comer, realizar tarefas comuns e mesmo sair de casa, enquanto permanece inconsciente e sem possibilidade de comunicação.

É difícil de acordar um sonambulo mas, contrariamente à crença popular, não é perigoso fazê-lo. O sonambulismo ocorre durante os estágios do sono 3 ou 4, chamados sono de ondas lentas (SOL).

É mais comum em crianças e adolescentes. Habitualmente, são episódios isolados, mas pode ter um carácter recorrente em 1-6% dos pacientes. A sua causa é desconhecida e não há tratamento eficaz.

Acredita-se, erradamente, que o sonambulismo é a conversão, no estado de vigília, dos movimentos que o indivíduo efectua durante o sonho. Mas na realidade o sonambulismo ocorre antes do estágio de movimentos oculares rápidos.





in Wikipedia

15 de janeiro de 2009

Ela na rua

A rua. Desço-a como sempre, aquele vento que não se ouve e que enfuna o casaco, as calças, leva a gravata. Desço a rua no passo de quem segue apressado e no entanto não sei ao que vou. Os propósitos do meu caminhar alertam-me que é necessário que vá depressa, tudo parece atrasado nesta marcha.
Não há mais ninguém. Pergunto-me porque estou só e se é este deserto de pedra e betume qual a urgência...
À medida que ando apercebo-me com uma nitidez perfeita das folgas entre o desenho da calçada, são tão nitidas como se estivesse rente a este calcário frio, pardo, mais escuro, cinzento. É sempre tudo cinzento. Um cinzento que me dá pena, faz-me sentir triste, mas é tristeza por dentro, daquela que não se consegue explicar e aperta.
Do outro lado do passeio vejo um vulto, mas como estou com pressa não posso parar.
Continuo sempre e de cabeça voltada para trás tento aperceber-me sobre a identidade de quem passa, cada vez mais distante. É um homem vestido de negro que transporta um quadro enorme, do seu tamanho, um retrato de uma mulher.
Apuro a vista. Observo o retrato com a mesma limpidez com que vejo os espaços entre as pedras da calçada.
É ela, a mulher do retrato.
Segue, o retrato sorri para mim, torna-se muito vermelho, encandeia no meio deste cinzento todo.
Grito, chamo pelo homem que o transporta, mas não sai som da minha garganta. Esforço-me, forço, insisto e em ondas de som com espaços entrecortados a minha voz propaga-se em rolos.
Quando atinge o homem, a mulher do retrato, é inaudível.
Acordo e volto-me de lado, encolho-me, junto os braços ao peito em cruz, os pés sobrepostos em cruz. Assim permaneço até me levantar para o dia.

14 de janeiro de 2009

Domus

A máquina de lavar sempre que entra no ciclo da centrifugação, parece confrontar-se com um tiroteio. Dá um solavanco e depois gira num ruído tremendo do que se assemelha a vários disparos. Temo que um dia destes avance, se desloque do seu lugar, me persiga cozinha fora. Resumindo: Se avarie de vez.
Enfrentei-a corajosamente.
O tambor revolteava-se furiosamente, toda a estrutura branca a vibrar e os pequenos botões a acenderem intermitentemente uma luzinha vermelha.
Mantive a minha postura, encarei-a para lhe fazer ver que não a receava, eu sou o dono da casa, da cozinha, dela.
Avançou deslizando grotescamente para mim, enviuzada, ofendendo-me de quina, mirando-me desafiadoramente nos seus leds incendiados. Ficámos a medir forças e num repente ela deu um salto e tentou atacar-me.
Foi com uma agilidade enorme que me encavalitei no seu topo, cavalguei-a, os calcanhares apertando toda a estrutura metálica branca, dobrado, vergado e selado como uma verdadeira montada.
Feliz da minha supremacía vi-me como um genuíno cowboy domesticando um touro mecânico.
Divertía-me!
E depois já era a batedeira e a seguir a torradeira e até a máquina expresso!
Todas elas eu montei e dominei habilmente, era-me possível ser o vaqueiro de todos os electrodomésticos fosse qual fosse a sua dimensão.
Despertei com um sorriso... agarrado ao lençol e ao edredon como rédeas que se seguram na arte de bem cavalgar. Durante todo o dia assaltou-me a lembrança deste sonho e fez-me rir baixinho.
Eu sei que é um sonho, mas fiquei contente comigo mesmo!

13 de janeiro de 2009

Aflições da natureza

Levantei a tampa da sanita e ouvi a urina a caír na água, um ruído certeiro. A mão direita espalmada nos ajulezos da parede em frente, à distância do comprimento do meu braço. Uma sensação boa de alivio, constante. Tão constante que não paráva o fluxo. Olhei-me, nada de estranho, apenas o liquido a saír sempre com a mesma intenisdade, não paráva. Comecei a perguntar-me onde tería tanto para vazar tanto. E aquilo sempre a saír.
Foi quando a minha mão direita começou a enterrar-se na parede como areia movediça. Uma parede mole que me engolía lentamente a mão, o pulso, começava a desaparecer o cotovelo.
E eu naqueles preparos, sem parar o que constante lá saía alinhado num leve arco e atingía a poça de água no fundo da sanita.
Reparei então que era a minha própria urina que desfazía a base da parede de azulejos onde se encostava a sanita, a ía desgastando aos poucos, corroendo e esboroando.
Afligi-me: se fazía aquilo à parede que acontecería se me tocasse na mão que segurava o membro? Se pingasse para os pés?
Larguei o pénis. Mas este descontrolado sem a guia de mão esguichou ao redor e conforme a urina se espalhava ía golpeando tudo.
Rachas nas outras paredes, as minhas calças cortadas e o braço afundado na parede semi-demolida restava num coto perto do ombro.
Acordei.
Sem ter a certeza de o estar.
Verifiquei como estava o meu corpo, se nada me faltava, espreitei para dentro dos boxers.
Deitei-me e lá adormeci. Com uma bexiga do tamanho da de um porco. Até de manhãzinha.

12 de janeiro de 2009

Almofadas

É incrível o que um pequeno pedaço de espuma, penas, sumauma, o diabo que está lá dentro de uma almofada consegue fazer a alguém que tenta conciliar o sono. Ou seja, tira-lhe o sono, a mim foi-se, puf!
Em quarto de hotel tudo é estranho, mesmo nos estrelados, e as férias que fiz no final do ano a romper este trouxeram-me a angústia da 1ª noite em branco.
Nada na cama macia, fresca e perfumada se me aconchegava ao corpo. Embora algures, se pudessem escutar alguns sons de quem muito se aconchegava... de inicio achei piada, mas a repetição trouxe-me o aborrecimento e nem de cabeça coberta consegui abafar os ruídos.
Depois a almofada. A Almofada. A maldita almofada sem corpo, chatinha como uma folha. Soquei-a, empurrei o que tinha lá dentro para um canto e encaixei-me numa nesga do que restava.
Nada.
Uma insónia longa e dolorosa.
Suspirei pela minha cama, pelo meu travesseiro, até pelos meus pesadelos.
Pelas cinco da manhã decidira já que à hora do pequeno-almoço faría a mala e voltaría para casa, aquilo não eram férias, era tortura.
Acordei com a empregada de quartos a perguntar se podía fazer a limpeza...
E não voltei a usar a almofada.