15 de janeiro de 2009

Ela na rua

A rua. Desço-a como sempre, aquele vento que não se ouve e que enfuna o casaco, as calças, leva a gravata. Desço a rua no passo de quem segue apressado e no entanto não sei ao que vou. Os propósitos do meu caminhar alertam-me que é necessário que vá depressa, tudo parece atrasado nesta marcha.
Não há mais ninguém. Pergunto-me porque estou só e se é este deserto de pedra e betume qual a urgência...
À medida que ando apercebo-me com uma nitidez perfeita das folgas entre o desenho da calçada, são tão nitidas como se estivesse rente a este calcário frio, pardo, mais escuro, cinzento. É sempre tudo cinzento. Um cinzento que me dá pena, faz-me sentir triste, mas é tristeza por dentro, daquela que não se consegue explicar e aperta.
Do outro lado do passeio vejo um vulto, mas como estou com pressa não posso parar.
Continuo sempre e de cabeça voltada para trás tento aperceber-me sobre a identidade de quem passa, cada vez mais distante. É um homem vestido de negro que transporta um quadro enorme, do seu tamanho, um retrato de uma mulher.
Apuro a vista. Observo o retrato com a mesma limpidez com que vejo os espaços entre as pedras da calçada.
É ela, a mulher do retrato.
Segue, o retrato sorri para mim, torna-se muito vermelho, encandeia no meio deste cinzento todo.
Grito, chamo pelo homem que o transporta, mas não sai som da minha garganta. Esforço-me, forço, insisto e em ondas de som com espaços entrecortados a minha voz propaga-se em rolos.
Quando atinge o homem, a mulher do retrato, é inaudível.
Acordo e volto-me de lado, encolho-me, junto os braços ao peito em cruz, os pés sobrepostos em cruz. Assim permaneço até me levantar para o dia.

1 comentário:

Teresa Durães disse...

por vezes, nem só nos sonhos os retratoc falam connosco.