22 de março de 2009

Incurável

A rua está no sitio dela, cinzenta, ventosa. Só é rua porque eu estou lá e faço dela um sitio de medo. Não sei de quê. Até os garotos me assustam, sinto sempre receio de lhes ver os joelhos esfolados, encadear-me no sangue em fio em contraste com a falta de outras cores que pareço não conseguir fabricar.
Mas só neste sonho.
Nos outros, mesmo naqueles em que é tudo branco e não consigo ver, não há a ansiedade deste, a empurrar-me ao longo da rua onde cada promenor parece ferir-me a vista: as pedras da calçada, a falta de outros para além de mim e dos miúdos, passadeiras de peões, que a qualquer momento se tornam grades de cárceres horizontais que me hão-de engolir sem a esperança de que o grito que solto há-de acudir outros e os outros me hão-de dar a mão.
Aos poucos trago para esta rua, camufladamente, gostos que gostaría de ter tido. A mulher do quadro que de quando em vez se escapa ao meu encalce, o meu amigo de infância a quem perdi o rasto.
Tenho andado fora, muito por fora do que é entendimento racional e aceite.
Os pesadelos voltam, num ciclo vicioso sem se alterarem no conteúdo e sem me darem tréguas ao esquecimento. Quero pensar noutras coisas e não consigo, tenho medo de dormir, tenho medo de não conseguir dormir, tenho medo de não acordar.
Até que ponto remexer nos sonhos e pesadelos não os dimensiona?
Até que ponto esquecer kem dorme não é um passo atrás nas escadas que venho a subir aos poucos para entender - estou certo - o que é incurável?

1 comentário:

Alexandra disse...

Olá!

Desânimo ou "desespero"?

Essa rua é recorrente e portadora de uma angustia que, por sinal, deixa transparecer muito bem na sua descrição.

Compreendo os medos, as questões levantadas. Sinceramente, compreendo! São imagens e sensações tão marcantes que acabam por nos surgir mesmo quando acordados, daí o medo que é perfeitamente legitimo.

"Até que ponto remexer nos sonhos e pesadelos não os dimensiona?"

Remexer neste tipo de material tão cheio de carga emocional e pesada não causa maior transtorno do que o que já o acompanha, preferível seria fazê-lo mas... acompanhado. Na impossibilidade, só o próprio pode fazer a escolha. Mas, se não falar deles ajuda a esquecer?

Não sei se é curável, mas tem de facto subido uma escada na tentativa da compreensão e isso é louvável. De uma coisa tenho a certeza até por experiência própria, perceber pode não curar, mas ajuda-nos a compreender as causas e, não tenho dúvidas algumas que ao perceber, teremos mais capacidade de adaptação e consequente protecção.

No estado de vigilia também temos que lidar com sentimentos por vezes bastante complexos e não é por isso que não seguimos em frente. Não concorda?

Desejo-lhe sonhos calmos e apaziguadores.