6 de dezembro de 2008

Já chega!

A rua.
A que me acompanha desde a infância nos pesadelos que não conseguem ter outra cor senão negros, brancos, cinzento muito escuro como o dos bicos dos lápis.
Desço-a, como sempre. Empurrado pelo vento, como sempre, a gravata a esvoaçar, as mãos nos bolsos, as bandas do casaco a abanarem, vejo a biqueira dos meus sapatos pretos a avançarem num passo certo, ligeiro.
Lá estão os miúdos junto ao passeio, acocorados, vestidos de calções. Não sei porque tanta confusão me faz eles estarem de calções...
Não há mais ninguém, nem carros, nem vestigios de vida para além de mim e dos garotos.
Chego junto a eles, pergunto-lhes se sabem que rua é esta, respondem todos ao mesmo tempo, não consigo perceber o que dizem, insisto na pergunta, uma gritaria que me ensurdece, faz mal, é um zunido que me entra e me aleija, mas não é bem dor, é mais uma tristeza, uma sensação de ter perdido qualquer coisa.
Pergunto-lhes porque estão de calções, não devíam estar de calções, está vento. E reparo que todos têm os joelhos esfolados, uma carne viva que baba um sangue cinzento, tudo é cinzento, eles gritam e eu assusto-me, corro, só vejo a biqueira preta dos meus sapatos, atrás eles, os calções, os joelhos, não há mais nada nesta rua, é só rua...
Berro.
Acordo.
Estou encharcado.
Não aguento mais este pesadelo que me persegue desde criança!
Não consigo fugir desta rua, deste pesadelo!

1 comentário:

The Perfect Stranger disse...

I hear the thunder come rumbling
the light never looked so dim
I see the junction get nearer
and danger's in the wind
and either road's looking grim

gosto do Cocker.
abraço