12 de novembro de 2008

Faltou a cor

Caminho apressado, vou para o emprego, está uma ventania tremenda, a gravata sempre a bater-me na cara não me deixa ver onde ponho os pés. No entanto, não páro nem sequer hesito por onde passar, é sempre a descer e a direito, um passeio muito largo. Não há carros, há ruas, casas, lugares de estacionamento, mas não há carros.
Vejo um grupo de miúdos agachados junto ao lancil.
Chamam-me, perguntam se quero brincar com eles.
Eu rio-me, eles insistem, eu digo que não, que vou trabalhar, eles voltam a pedir para que eu me junte a eles.
Reparo que todos estão de calções, uma roupa estranha para um dia de tanto vento, acho estranho, penso para mim que nem sequer se usa esta roupa nos miúdos.
Um deles agarra-me a mão. Não a sinto, mas sei que me segura os dedos, os meus dedos demasiados grandes para a mão tão pequenina. Vejo-me crescer, crescer tanto, tanto que mal os vejo acocorados. E a gravata sempre a tapar-me os olhos, a pôr-se à frente dos miúdos.
Baixo-me, fico do tamanho deles, agora pequeno como eles, jogam ao berlinde, brinco com eles.
Faço um péssimo jogo, a gravata sempre a entrepôr-se no caminho dos dedos, dos berlindes, das caras dos miúdos.
Ficam aborrecidos, troçam de mim, fazem um barulho tremendo e muito agudo.
Acendo a luz, vejo as horas, destapo-me e ponho as pernas para fora da cama.
Não sei quanto tempo fiquei assim. A pensar em nada.
Sinto que me falta qualquer coisa.
Só então me ocorre que todo o sonho foi a preto e branco.
Volto a deitar-me mas não consigo adormecer.

1 comentário:

Teresa Durães disse...

é difícil de os miúdos perceberem as atitudes de recusa dos adultos a aderirem às suas brincadeiras. Não compreendem como esquecemos a fantasia nos fatos e gravatas