28 de novembro de 2008

Do lado de lá

A rua está completamente deserta. Já passei por aqui muitas vezes, conheço-a, até as pedras da calçada me são familiares, sei onde há falta do desenho ou onde foi restaurado recentemente. Desço-a, impelido por um vento que me empurra as costas.
A rua é enorme, nem sequer consigo ver-lhe o fim, saber se há outras ruas que se entronquem, prédios que façam esquinas.
É tudo rua. Cinzenta, da cor do granito.
Aqui e ali, muito brancas as linhas das passadeiras de peões. Acho estranho, não há mais ninguém, para quê as passadeiras, tão pouco há carros. Só eu. Unicamente eu a descer esta rua infindável e ventosa.
Caminho sempre, não sei para onde vou. Quando olho para trás parece que não saí do mesmo sitio e quando volto a cabeça para medir a distância até ao outro extremo tudo se alonga gradualmente, se afasta dos meus passos.
Apresso-me, sinto que é urgente chegar ao fim.
Talvez se passar para o outro passeio o percurso se encurte.
Procuro as linhas brancas das passadeiras e faço-me à estrada. Mas mal piso essas listas, sinto-me abanar e sacudir como se fosse ser cuspido. Tenho algum receio, corro para o passeio, mas não consigo chegar lá, então volto para o caminho inverso.
A rua estica-se cada vez mais, cada vez mais longe da minha vista. Miro o outro lado e no outro passeio há gente, chamam-me, gritam-me que tenho de atravessar no sitio das passadeiras, sem isso não lhes consigo chegar...
Salto para a passadeira uma outra vez. A mesma coisa mas mais violenta.
Do outro lado as pessoas dizem-me adeus, gritam que não podem esperar mais por mim.
Acordo com o som de um cão que uiva lá fora.
Uma sensação de solidão e abandono aperta-me o pescoço. O cão não se cala.

1 comentário:

The Perfect Stranger disse...

é-me difícil comentar este texto. muito íntimo, às vezes não se encontram as palavras adequadas.
é um texto que possui uma inegável beleza.
e existe esse dejà vu verdadeiramente surpreendente, diria que vives num mundo paralelo, por detrás do espelho.
diria que desejas algo que ainda não conseguiste alcançar, ou que tens flashs de vida que já foi tua.
gosto muito da maneira como contas os teus "sonhos"