14 de novembro de 2008

Dizer adeus

Esta semana tive a triste noticia da morte de um amigo. Uma morte violenta num acidente de automóvel. Fui ao velório com grande custo mas não tive capacidade para o acompanhar à sua última morada.
Tenho vindo a remoer nisto, porque não tive coragem como os outros de ir ao funeral, ver o caixão descer, taparem o buraco.
Deitei-me com este peso, esta noite sabe-se lá porquê, mais do que as outras.
Antes de adormecer falei com ele, disse-lhe o quanto o estimava e que desejava que estivesse bem, sem sofrimento, onde quer que esteja...
A sala era a do velório. Fez-me impressão os maples e as cadeiras cada um de sua nação, o estofado rasgado a mostrar a espuma, as marcas do peso das pessoas vivas que por ali se sentaram a chorar os seus mortos.
Havíam muitas velas mas nenhuma acesa. Flores brancas iguais às do livro que tive quando entrei para a escola. Acho que eram açucenas, que se chamavam.
Dou as minhas condolências à viúva mas hesito; há muitas mulheres, todas iguais, de rosto tapado por um véu negro de renda que não me deixa descortinar quem era a esposa.
Imito os meus outros amigos que segredam algumas palavras a todas. Não sei bem o que lhes digo.
Depois rodeamos o caixão fechado.
Alguém pede para o abrir mas eu digo que não, sei que ele morreu de uma forma trágica e não quero ver o corpo do meu amigo todo desmembrado, ensanguentado.
Ninguém me ouve, é uma das mulheres que com uma força sobrehumana retira a tampa e descobre o defunto.
Tapo a cara com as mãos, recuso-me a ver tal horror.
Chora-se, chora-se tanto naquela sala que eu acabo também a chorar convulsivamente, estridentemente. As mulheres abraçam-me num pranto alto, fico surpreso, olho para dentro do caixão e o morto não está lá.
Percebo então que choram por mim, pela minha morte.
Acordo com o coração disparado, ofegante.
Levanto-me, está frio, esfrego os braços, quero ter a certeza de que foi apenas um sonho, que estou vivo e que o que aconteceu foi apenas a minha consciência a condenar-me por não ter dito o último adeus ao meu amigo.
Deito-me de novo e não consigo reter as lágrimas no silêncio que caiu sobre o meu quarto.

1 comentário:

Alexandra disse...

O maior medo do Ser Humano é, precisamente, saber que um dia a morte virá. Tantos já foram os textos escritos pelas mais variadas celebridades a nível cultural e académico mas... as respostas continuam sem existir!

Não há que remoer em nada. Socialmente temos papéis a cumprir e, nestes casos, a maioria das vezes nem é pr cumprimento do dever, mas sim pela necessidade de acompanhar aquela figura de referência. Mas, porque todos somos diferentes na forma de reagir a uma mesma situação, os mais variados comportamentos podem aparecer. Foi ao velório e já foi a muito custo. Porque haveria de ir também acompanhá-lo se isso era superior às suas forças? Todos temos defesas, a sua funcionou na perfeição!

Simplesmente, o sentimento de culpa que por vezes carregamos desnecessáriamente acaba por descambar em pesadelo. Foi o seu caso e, faz todo o sentido.

Percebo-o muito bem mas atrevo-me a dizer-lhe que, por vezes, temos que nos aturar tal como somos!