18 de abril de 2009

À capela

Tive um serão agradável: Um grupo de antigos colegas juntamo-nos, como o fazemos todos os anos pela Primavera. Falamos do tempo de escola, de Coimbra, das republicas, é assunto obrigatório e recorrente. Falamos do que fazemos actualmente, dos que não apareceram, especulamos, rimos, comemos e bebemos. No final, os fados de capa negra.
Regressei a casa com uma paz imensa e a trautear o que ouvira.
Recolhi-me e ferrei no sono.
Destaparam-me, puxaram-me por um pé e caí redondo no chão.
Toda a entrada do quarto estava vedada por uma barreira de homens enormes envoltos em capas negras. Um som de capela silvou e eu tapei os ouvidos, fechei os olhos, mas à medida que o entoar se mantinha estável, modulado, quase palpável comecei a sentir uma admiração enorme por quem cantava.
No meio deles, o meu colega de escola, o miúdo de calções, joelhos feridos, a imagem cinzenta no seu todo. Lembro-me de lhe ter pedido desculpa por não o procurar. A voz dele elevou-se à dos outros. Até se extinguir o som e a sua figura cinzenta.
Acordei tranquilo, uma sensação de perdão, o coração calmo.
Vou procurar o meu amigo de infância, devo isso a mim mesmo.

17 de abril de 2009

Caminhadas

Deitei-me de estomago ainda cheio. Já sei que isto não dá bom resultado, mas sentía-me sonolento e achei que não devía perder a oportunidade.
Adormeci profundamente, como uma pedra.
Até aí tudo bem. O pior foi ter acordado enjoado, transpirado, uma sensação de vómito que não dá para aguentar. Mas aguentei. O sono é que não voltou.
E por isso, desta vez resolvi fazer uma coisa que nunca fiz: Saír de casa, ir à procura do cão que ladra a meio da noite, andar, cansar-me, qualquer coisa para ocupar o tempo e o espirito.
Chovía, não muito, mas aquela morrinha que ensopa a roupa.
Passados vinte minutos estava de volta a casa.
Tomei um duche quente, deitei-me e adormeci como um bébé até ao dia seguinte. Se sonhei não me lembro de nada.
Não encontrei o cão e tão pouco o ouvi ladrar.
Estou como novo!

16 de abril de 2009

Outras vidas?

A mulher de rosto de cera e lábios vermelhos olha-me tristemente sem mover um músculo.
Eu passo várias vezes à porta onde ela se mantém direita, mãos traçadas sobre a roda do vestido, passo sempre como se andasse num carrossel, mas não às voltas, é um movimento igual ao de atravessar infinitamente uma rua ao volante de um carro, em ritmo lento, tudo se passa em ralenti, só eu estou a uma velocidade real assim como os olhos tristes dela.
Ao redor tudo está destruído, sem cor, só os lábios vermelhos muito intensos numa cara de tanto sofrimento.
Passo sempre sem parar, sem conseguir parar junto a ela, pedir-lhe para não ficar triste, que venha comigo.
Sinto no peito a dor dela, o silêncio dela.
Quando acordo sinto-me amargurado. E de repente recordo-me de todo aquele estranho silêncio que temi quando estive fora e vejo que o meu medo era porque já o havía experimentado antes neste sonho recorrente.
Por um lado fico contente de achar uma ponte entre estas duas dimensões. Por outro, assaltam-me ideias de vidas reencarnadas... Será que eu já conheci a mulher do meu sonho noutros tempos e o silêncio do quarto de hotel despertou a minha vida passada?
Sinto-me estranho. Amargurado como já disse.
E ouço o cão no seu ladrar solitário. Lembro-me de ter tido saudades de o ouvir e neste momento não quería nada ouvi-lo. Nada mesmo.

15 de abril de 2009

Confidências

Tenho andado estes dias a passar as notas que tomei aquando da minha última viagem aqui para o blog.
Inicialmente tinha pensado compô-las, mas agora acho que toda a terapeutica deste sitio tem exactamente a ver com a realidade e crueza com que tenho passado para aqui todos os sentimentos e emoções que me possuem quando sonho, quando as insónias me põem as mãos a tremer ou até mesmo quando choro por os pesadelos serem demasiado para os aguentar, duvidando se são ou não materialmente vividos.
Talvez o objectivo inicial disto tudo se tenha perdido um pouco no espaço e no tempo, mas a verdade é que me sinto impelido aqui a vir, se não sempre, pelo menos quando o bichinho da blogesfera me chama (já me tinham avisado e eu não quis acreditar...)
Foi esta também uma forma de descobrir que há outros que também se afligem com os mesmos pesadelos; Não que isto me compense, mas deixei de me achar um anormal e principalmente, retirei todo o pragamtismo analitico que os profissionais durante anos a fio me incutiram (e me raparam do bolso!).
Se a minha natureza é sonhar, sofrer com os pesadelos, pois que seja, mas pelo menos que me dê consciência e tino suficientes para os poder descrever da melhor forma que sei.
Não sou escritor, serei um contador do que se atravessa nas minhas horas de dormir, e se o anonimato se impõe pelas circunstâncias da vida, que não se considere tal como uma cobardia mas uma necessidade de não me olharem de modo diferente apenas porque confesso o que de tão intimo se passa comigo.

14 de abril de 2009

Pernas para que vos quero

São só pernas, enormes, esguias, de um tom dourado e brilhantes como se estivessem cobertas de um pó de ouro que reluz. São pernas tão altas que dá para eu passar por baixo delas como se fossem uma ponte.
Apetece-me olhar para cima... Nem que seja num relance.
Imagino como será... Se tem pernas deste tamanho, proporcionalmente... Como será?
São pernas que se cruzam atrevidamente, fazem curvas e ângulos, atiçam o meu desejo de lhes tocar, apertar, afastar.
Eu conheço estas pernas mas não sei de onde.
Desperto e sei que estou a sorrir. Já sei de onde conheço estas pernas gigantes: São da interprete alemã que esteve aqueles dias a trabalhar comigo.
Não era uma mulher atraente mas tinha um par de pernas de caír para o lado.
Aninho-me: Talvez agora consiga sonhar com o resto do corpo. E pôr-lhe um rosto mais simpático e afável do que o que na realidade tinha.

13 de abril de 2009

Azul claro

Chamo-a várias vezes, não se volta, aos meus olhos o detalhe do roupão azul claro a arrastar pelo chão, os ombros bem destacados numa espécie de nevoeiro que a vai engolindo. Grito, talvez não me tenha escutado, mas prossegue sem se virar e no entanto eu sei cá no fundo que me ouve tão distintamente quanto se estivesse ao meu lado.
Estranho que venha para a rua com o roupão azul claro. A minha mãe não é destas coisas, deve ter acontecido um problema qualquer para vir para a rua nesta roupa. Pergunto-lhe: caminhando sempre, responde-me baixo e eu ouço-a, não pára, não se vira para me olhar e explicar porque está vestida desta forma em plena rua, capaz de encontrar outras pessoas para além de mim, comigo não faz mal mas os outros que irão pensar?
O nevoeiro acompanha-a como uma moldura, um contraste esbatido entre o claro do azul e o leitoso transparente.
Lembro-me deste roupão quando eu era miúdo e ela vinha ao meu quarto sossegar-me tarde da noite, abraçar-me e dizer que eram pesadelos. Talvez me deva deitar aqui mesmo, assim ela virá e olhará para mim e abraça-me e acaba-se com isto tudo.
Deito-me no passeio da rua, deixo de a ver, ao nevoeiro, à bainha do roupão azul claro a arrastar.
Há gente que se aproxima de mim, envergonho-me.
Acordo hirto, destapado. Muito assustado.
Tenho tantas saudades da minha mãe.

5 de abril de 2009

A (minha) casa

Como é agradável regressarmos a casa, saber onde estão as nossas coisas, tudo certo, tudo com a nossa marca.
Tenho a certeza que hoje vou dormir.
Passei mais uma vez a barreira do meu próprio medo quanto ao viajar pelos céus (Acho que nunca me vou habituar...), tenho os pés na terra firme, na minha casa, no meu mundo cheio de barulhos pequeninos que me fazem sentir vivo. Engraçado que nunca me tinha apercebido como me são importantes para o equilibrio emocional. Só por isso já mereço dormir como uma pessoa normal.
Amanhã vou ao escritório, entrego os relatórios, faço a reunião e depois férias. Uns merecidos dias de descanso pela semana pascal.
(Não vou acabar com o meu blog. Sería de uma grande estupidez desperdiçar estes meses. Ignorar-me. E até mesmo aos que tiveram paciência suficiente para me lerem e aconselharem, que embora sendo no virtual, melhor coisa teríam para ler sem ser a mim e às minhas loucuras)

4 de abril de 2009

Saudades

Tanta vontade de dormir tinha que obviamente resultar em asneira: adormeci profundamente por duas horas, um pouco mais, depois a espertina, este maldito silêncio que me põe os nervos num feixe.
Se estivesse em casa àquela hora da madrugada decerto ouviría o cão a ladrar. Aquele som triste que me deixa melancólico, triste, saudoso. Acho que tenho saudades daqueles uivos lamentosos... Aqui não há nada, nem cães, nem pessoas que se sintam vivas.
Parece que dormi para acordar para um silêncio de morte.
Não quero voltar a ficar neste hotel. Como é lugubre tanto silêncio!

3 de abril de 2009

Muito sono

Ainda não são 10 da noite e estou cheio de sono. Sono daquele de querer dormir, tapar-me, sentir o calor e deixar-me ir.
Esta noite vou mandar às urtigas a revisão dos apontamentos sobre a reunião de hoje e a de amanhã.
Nem me apetece apontar seja o que for nestas notas...
(Última questão: Será que tudo isto tem algum préstimo? Se calhar ando para aqui a escrever sobre coisas que devería esquecer, não lhes dar importância. Talvez deva fechar o blog e parar de procurar razão para os meus pesadelos)

2 de abril de 2009

Out

Não faço a minima idéia se foi o pânico de não dormir ou a ameaça de me drunfar que me pôs a dormir, mas lá que dormi, isso é bem verdade.
Sem sonhos, sem pesadelos.
Aliás, parece que dormi a correr: lembro-me de me deitar e de acordar hoje com o telemóvel.
O entermeio nestes dois tempos é de memória nula.
E apesar de tudo sinto-me tenso, apreensivo.

1 de abril de 2009

Escolhas

Se esta noite voltar a maldita insónia tomo a pastilha do costume.
Não posso arriscar outra noite.
Hoje estive cansado, e tive que fazer o dobro do esforço para não perder as orientações que trazía como trabalho de casa, os objectivos a atingir e especialmente não me pôr a divagar sobre a interprete de olhos verdes e pernas de 1,50m. (Donde é que esta mulher apareceu?!).
Sei que se tomar a pastilha mágica entrarei num bolha que me isola de tudo. O problema é sempre o dia seguinte, o encortiçado que me apanha o raciocinio, a lingua, os movimentos.
Mas ou é isto ou sujeitar-me a um vexame pela forte hipótese de não voltar a dormir e começar a ter alguma alucinação em plena reunião de serviço.